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A Cidade é Nossa

Terremoturismo ameaça moradia em Lisboa

Raquel Rolnik

27/06/2018 10h32

O crescimento da economia do turismo tem sido um dos grandes responsáveis pela atual recuperação de Portugal. A capital Lisboa, uma cidade com 500 mil habitantes, se tornou um disputado destino dos viajantes, registrando mais de 5 milhões de pernoites só no primeiro semestre de 2017. Entretanto, como em outras explosões de destinos turísticos que já ocorreram que outras localidades, um rastro de destruição também fica pelo meio do caminho…

No caso de Lisboa, uma das dimensões desta destruição é o impacto do turismo sobre o mercado de habitação. A cidade está cada vez mais sendo tomada por segundas residências de turistas, estimulados pelo governo através de mecanismos como isenção fiscal ou o golden visa – em que você ganha a cidadania quando investe na compra de um imóvel. Parte destes investidores compram os imóveis para colocá-los para alugar por dias ou temporadas, através de plataformas digitais, como o Airbnb.

Além disso, moradores que pagam aluguel – o que corresponde nos bairros centrais da cidade a quase 50% dos moradores – têm sido despejados de suas casas, para que estas possam ser reconvertidas pelos novos ou velhos senhorios em "alojamento local", denominação portuguesa para aluguel de curta duração. Isto tem atingido particularmente os idosos, aposentados, com menos renda, que são os moradores tradicionais das áreas mais antigas da cidade. As ações de despejo ocorrem ao final dos contratos, ou ainda antes disso, diante de qualquer justificativa, e os novos valores de aluguéis se tornam proibitivos para esta população.

Diante destes efeitos colaterais bastante perversos, o governo português propôs no final de abril um novo pacote legislativo, denominado nova geração de políticas habitacionais, oferecendo isenções fiscais para proprietários que estiverem dispostos a fazer contratos de aluguel com prazos mais longos e valores 20% menores que o mercado. Além disso, outras medidas, como a possibilidade de transformar algumas casas mais antigas em habitação social estão sendo consideradas, mas ainda sem definições precisas de como e quando isto começaria a ocorrer.

Mas para os ativistas do direito à moradia, as medidas propostas pelo governo são absolutamente ineficientes para as pessoas que estão sofrendo esta pressão, na medida em que continuam vigorando os incentivos como o golden visa e o regime especial para os residentes não habituais. Além disto, moradias com alugueis 20% abaixo do mercado não representam de fato alternativas de acesso à moradia para os mais pobres. Assim vai se configurando, mesmo num cenário de recuperação econômica, uma crise habitacional como não se via desde os anos 1970 na cidade, quando explodiram as favelas e assentamentos autoconstruidos nas periferias da cidade.

Sobre a autora

Raquel Rolnik é arquiteta e urbanista, é professora titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Foi diretora de planejamento da Secretaria Municipal de Planejamento de São Paulo(1989-92), Secretária Nacional de Programas Urbanos do Ministério das Cidades (2003-07) entre outras atividades ligadas ao setor público. De 2008 a 2014 foi relatora especial da ONU para o Direito à Moradia Adequada. Atuou como colunista de urbanismo da Rádio CBN-SP, Band News FM e Rádio Nacional, e do jornal Folha de S.Paulo, mantendo hoje coluna na Rádio USP e em sua página Raquel Rolnik. É autora, entre outros, de “A cidade e a lei: legislação, política urbana e territórios na cidade de São Paulo” (Studio Nobel, 1997), “Guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças (Boitempo, 2016) e “Territórios em Conflito - São Paulo: espaço, história e política” (Editora três estrelas, 2017).