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A Cidade é Nossa

Os lugares da cidade de São Paulo que marcaram a revolução de 1932

Raquel Rolnik

09/07/2018 00h16

Pelo menos duas avenidas (23 de maio e 9 de julho) marcam no território da cidade a presença da Revolução Constitucionalista de 1932. Mas na paisagem da capital paulista vários outros locais referenciam a memória de um conflito armado que se tornou o grande mito da história do Estado de São Paulo, celebrada desde 1997 com um feriado.

Foi em 23 de maio de 1932 que centenas de pessoas saíram às ruas para protestar contra o governo provisório de Getúlio Vargas. Na mesma noite, os protestos se intensificaram. Um comício de estudantes da Faculdade de Direito do Largo São Francisco tentou invadir o clube 3 de outubro — formado por tenentes que apoiavam o golpe de Getúlio —, que funcionava na sede do partido PPP (antiga Liga Revolucionária), na rua Barão de Itapetininga, esquina com a praça da República. O grupo foi recebido a balas. Cinco jovens morreram no confronto: Mário Martins de Almeida, Euclides Bueno Miragaia, Dráusio Marcondes de Sousa e Antônio Américo Camargo de Andrade. Orlando de Oliveira Alvarenga, também ferido, veio a falecer meses depois. Seus corpos e de outras centenas de mortos na Revolução estão sepultados no Obelisco do Ibirapuera.

A morte dos quatro estudantes, Martins, Miragaia, Dráuzio e Camargo (MMDC), simbolizou um marco para a mobilização estudantil, a qual se somaram lideranças políticas, militares paulistas e civis que já estavam, desde 1931, articulados em torno da Liga de Defesa Paulista, sediada na esquina da rua da Boa Vista com o largo São Bento, no anexo do Hotel do Oeste. No dia seguinte à morte dos estudantes é fundada uma sociedade secreta do movimento constitucionalista no restaurante Pocilipo, na rua das Flores, na Sé. Uma dos bastiões do grupo, que se intitulou MMDC, ficava no Edifício Clube Comercial, no Anhangabaú. O comando ficava na Faculdade de Direito.

A eclosão do movimento ocorreu em 9 de julho, às 23h30 , em frente à Chácara do Carvalho, sede da 2ª Região Militar, seguida pela tomada de outros pontos estratégicos como Companhia Telefônica, dos Correios e Telégrafos, da Rádio Educadora e da Rádio Record.

Ao movimento, liderado pelo MMDC, uniram-se o PRP, o Partido Democrático e a grande imprensa paulista, que defendiam a volta ao poder do candidato dos paulistas, Júlio Prestes, eleito à presidência, mas que não pode tomar posse, impedido pela Revolução de 1930 de Getúlio. A aliança entre o movimento constitucionalista e a oligarquia paulista contrariada com o alijamento do poder sustentou então um conflito armado que duraria quatro meses, mobilizando mais de 200 mil voluntários entre soldados e grupos de apoio, em vários fronts no interior do Estado, e que acabou sendo derrotada pelas tropas federais.

Como as fronteiras do estado foram fechadas, não havia como adquirir armamento para o conflito fora do país. Assim, muitos voluntários levaram suas armas pessoais, e engenheiros da Escola Politécnica do Estado (hoje EPUSP) e do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) passaram a desenvolver armamentos a serem produzidos pelo próprio estado para suprir as tropas, como autos e trem blindados, munição e armamento. Para financiar o esforço de guerra, São Paulo criou moeda própria, lastreada pelo ouro arrecadado pela campanha "Ouro para o bem de São Paulo", também chamada de "Ouro para a vitória".

Com o fim do confronto armado, temendo que os fundos levantados durante a campanha que ainda sobravam, acabassem nas mãos do governo federal, o governo paulista doou-os à Santa Casa, que, com parte deles, construiu o Edifício Ouro para o Bem de São Paulo, no Largo da Misericórdia, no centro da cidade. O prédio tem treze andares, o mesmo número de listras da bandeira paulista, assim como uma forma ondulada que sugere uma bandeira ao vento.

Esta geografia dos acontecimentos de 1932 na capital não pretende interpretar o conflito, que teve motivações de diversas naturezas. A adesão das elites paulistas ao movimento pode ser atribuída à perda do domínio político de São Paulo que, até a ascensão de Getúlio Vargas se alternava no poder nacional por meio de seu Partido Republicano com Minas Gerais, desde a proclamação da República. São Paulo também era responsável pela maior parte do orçamento do País, em função da economia do café, desenvolvida principalmente em terras paulistas. Os paulistas temiam portanto perda de controle sobre as decisões referentes à política econômica, mas também setores desta mesma oligarquia rejeitava a legislação trabalhista em formulação no governo de Vargas.

Por outro lado, a pauta de redemocratização e da volta de um Estado de direito no Brasil era parte fundamental da agenda dos revolucionários de 1932, que rejeitavam a ditadura imposta por Vargas. Porém, com exceção do estado de São Paulo, no restante do país prevalece a versão de Getúlio Vargas e seus apoiadores sobre o conflito, isto é, a tese de que foi uma conspiração orquestrada pela elite paulista para derrubá-lo e que com o fracasso desse objetivo inicial, a rebelião teria assumido um caráter separatista.

As interpretações sobre derrotados e vencedores também varia: uma nova Constituição foi finalmente promulgada em 1934 e algumas reivindicações dos paulistas, como a nomeação de um interventor civil e paulista para governar o estado, foi atendida por Getúlio. E a Avenida 9 de julho, símbolo inconteste da Revolução de 1932, foi inaugurada em 1938… por Getúlio.

Sobre a autora

Raquel Rolnik é arquiteta e urbanista, é professora titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Foi diretora de planejamento da Secretaria Municipal de Planejamento de São Paulo(1989-92), Secretária Nacional de Programas Urbanos do Ministério das Cidades (2003-07) entre outras atividades ligadas ao setor público. De 2008 a 2014 foi relatora especial da ONU para o Direito à Moradia Adequada. Atuou como colunista de urbanismo da Rádio CBN-SP, Band News FM e Rádio Nacional, e do jornal Folha de S.Paulo, mantendo hoje coluna na Rádio USP e em sua página Raquel Rolnik. É autora, entre outros, de “A cidade e a lei: legislação, política urbana e territórios na cidade de São Paulo” (Studio Nobel, 1997), “Guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças (Boitempo, 2016) e “Territórios em Conflito - São Paulo: espaço, história e política” (Editora três estrelas, 2017).