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A Cidade é Nossa

Assédio sexual no espaço público: pelo direito de falar a respeito

Raquel Rolnik

05/11/2018 11h57

Esta semana tivemos mais um caso de mulher sendo assediada dentro de um vagão de trem da CPTM na cidade de São Paulo. Infelizmente estamos falando de situações recorrentes no espaço público da cidade, com dimensões que compreendem nossa cultura machista, mas também evidenciam questões de política pública urbana e de transporte.

O tema foi objeto de uma pesquisa desenvolvida no LabCidade (Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – FAU da Universidade de São Paulo – USP), que, sob a coordenação da professora Paula Santoro, investiga aspectos de segurança na mobilidade de estudantes universitários, com enfoque em gênero.

O estudo entrevistou 557 pessoas, entre estudantes, homens, mulheres, brancos e negros, nas regiões centrais e periféricas, e também na própria USP, no campus Butantã. Os resultados são alarmantes: 41% das mulheres que responderam o questionário afirmaram já ter sofrido algum tipo de assédio sexual nos vagões de metrôs e trens, ônibus e também no espaço público. Esse número, quando se trata dos homens, cai para 11%.

Os dados mais chocantes são entretanto quando as dimensões de gênero e raça se combinam: considerando mulheres estudantes de universidades situadas em localizações periféricas, as mulheres não brancas são as maiores vítimas: 81% relataram terem sido alvo de algum tipo de violência (as famosas "encoxadas", "mãos bobas" e exibicionismos como masturbação), ante 55,5% das brancas.

Dentre as questões da política pública de transporte que contribuem para o aumento de riscos estão a lotação dos trens, o tempo de espera e a imprevisibilidade dos horários de chegada dos ônibus. Considerando que apenas 13% dos que responderam ao questionário desses casos foram efetivamente denunciados, fica evidente o quanto a questão precisa ser explicitada e denunciada, na medida em que é de um lado, generalizada e, de outro, "normalizada".

É chocante perceber que, por exemplo, essa pauta que é tão presente na agenda das mulheres que integraram o movimento #elenão, foi imediatamente rotulada no âmbito da campanha pró Bolsonaro como expressão de "vadias" e "prostitutas". A desqualificação das reivindicações mostra como é difícil hoje trazer ao debate público este tema na medida mesmo em que este questiona a cultura que normaliza o assédio de mulheres no cotidiano.

Sobre a autora

Raquel Rolnik é arquiteta e urbanista, é professora titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Foi diretora de planejamento da Secretaria Municipal de Planejamento de São Paulo(1989-92), Secretária Nacional de Programas Urbanos do Ministério das Cidades (2003-07) entre outras atividades ligadas ao setor público. De 2008 a 2014 foi relatora especial da ONU para o Direito à Moradia Adequada. Atuou como colunista de urbanismo da Rádio CBN-SP, Band News FM e Rádio Nacional, e do jornal Folha de S.Paulo, mantendo hoje coluna na Rádio USP e em sua página Raquel Rolnik. É autora, entre outros, de “A cidade e a lei: legislação, política urbana e territórios na cidade de São Paulo” (Studio Nobel, 1997), “Guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças (Boitempo, 2016) e “Territórios em Conflito - São Paulo: espaço, história e política” (Editora três estrelas, 2017).