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A Cidade é Nossa

Uma cidade entre muros: o voto do segundo turno em Sao Paulo

Raquel Rolnik

29/11/2018 07h30

Mapa da distribuição dos votos válidos na divisa entre Barueri e Osasco. Isolado à esquerda, o Colégio Mackenzie em Tamboré, onde Bolsonaro (PSL) obteve seu segundo melhor desempenho na Região Metropolitana.

Aluízio Marino
Pedro Mendonça
Raquel Rolnik

A leitura dos votos no segundo turno presidencial na metrópole paulistana revela, entre outros elementos, uma cidade branca, murada, de alta renda e autosegregada, locais aonde Bolsonaro obteve suas maiores vitórias.

Após o primeiro turno mapeamos e georreferenciamos por seção eleitoral os três candidatos mais bem votados – Jair Bolsonaro, Fernando Haddad e Ciro Gomes -, assim como os votos nulos e brancos.
Fizemos o mesmo com os votos no segundo turno presidencial (veja ao fim deste texto os mapas com os resultados gerais) que, apesar de apresentarem grande continuidade em relação ao primeiro turno, nos permitem levantar algumas novas questões principalmente em relação a possíveis leituras sócio político culturais da cidade.

Em primeiro lugar procuramos, através destes novos mapas, perguntar se a campanha "vira voto" que ocorreu, sobretudo, nas duas últimas semanas do período eleitoral protagonizada pela campanha Haddad obteve resultados e em que locais da cidade. Cada local de votação é representado por um "ponto" no mapa, sendo que o tamanho do ponto varia de acordo com o total de votos e a cor ou tonalidade com a porcentagem de votos por seção eleitoral.

Os locais de virada de Haddad, ou seja, as seções eleitorais onde Bolsonaro havia vencido no primeiro turno e que "viraram" para Haddad no segundo, de forma geral estão inseridas em regiões onde o candidato petista teve melhor desempenho. Neste sentido, é possível especular que a ação de grupos universitários, coletivos culturais e outros atores na campanha #viravoto, que já atuam nestes territórios, tenha ajudado a trazer votos, especialmente nessas áreas, onde já havia maior presença de um voto pro-Haddad. Por outro lado, foram poucos os locais de virada de Bolsonaro, que já havia vencido na maioria dos locais durante o primeiro turno.

Em seguida, como já havíamos feito no primeiro turno, procuramos testar uma dimensão "racial" do voto nos dois candidatos. Ao considerarmos os locais em que Bolsonaro e Haddad tiveram suas votações mais expressivas, fica evidente esta dimensão. Bolsonaro tem suas votações mais expressivas em seções eleitorais exclusivamente ou predominantemente compostas por pessoas brancas, enquanto Haddad obteve seus maiores percentuais em áreas com maior presença de negros e negras. O caso do município de Francisco Morato, a única cidade da região metropolitana em que Haddad saiu vitorioso, assim como as seções eleitorais de Cidade Tiradentes, distrito onde Haddad venceu, são eloquentes: 57% da população de Francisco Morato de declara preta ou parda e 54% em Cidade Tiradentes, de acordo com os dados do Censo 2010. Ambos os locais, além desta característica demográfica, possuem forte presença de organizações antiracistas; Francisco Morato conta inclusive com um Conselho Municipal de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra.

No infográfico abaixo examinamos as dez seções onde Bolsonaro "estourou", obtendo seus melhores resultados, em torno de 80% dos votos totais.

Todos estes locais são marcados pela presença de condomínios fechados habitados por uma classe média ascendente branca: Alphaville, Tamboré, Tatuapé, Arujá, Mooca. Este "Brasil entre muros" se assemelha muito às "bolhas da internet" onde a narrativa do candidato prevaleceu: espaços autosegregados onde se vive entre iguais, em que não existe convívio e tolerância ao diferente. Estas pseudo cidades que voluntariamente se isolam da cidade foram a fórmula adotada para viver sem contato com o Brasil real – multiétnico, multicultural e profundamente desigual. Provavelmente este será o modelo de país que a coalizão eleita procurará implementar. Resta saber como "os outros", os "de fora" reagirão.

Sobre a autora

Raquel Rolnik é arquiteta e urbanista, é professora titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Foi diretora de planejamento da Secretaria Municipal de Planejamento de São Paulo(1989-92), Secretária Nacional de Programas Urbanos do Ministério das Cidades (2003-07) entre outras atividades ligadas ao setor público. De 2008 a 2014 foi relatora especial da ONU para o Direito à Moradia Adequada. Atuou como colunista de urbanismo da Rádio CBN-SP, Band News FM e Rádio Nacional, e do jornal Folha de S.Paulo, mantendo hoje coluna na Rádio USP e em sua página Raquel Rolnik. É autora, entre outros, de “A cidade e a lei: legislação, política urbana e territórios na cidade de São Paulo” (Studio Nobel, 1997), “Guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças (Boitempo, 2016) e “Territórios em Conflito - São Paulo: espaço, história e política” (Editora três estrelas, 2017).