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A Cidade é Nossa

Concessão do Ibirapuera de porteira fechada precisa ser repensada

Raquel Rolnik

25/06/2019 20h07

* Por Nabil Bonduki e Raquel Rolnik

É indiscutível a necessidade de inovar a gestão dos parques da cidade de São Paulo. No entanto, a forma como a prefeitura vem promovendo a concessão dos parques e, especialmente no caso do Parque Ibirapuera, é contrária ao interesse público e precisa ser revertida.

A licitação da concessão do Ibirapuera ao setor privado foi realizada antes de se definir, em processo participativo, o futuro do parque, em uma evidente inversão de procedimento. A vencedora apresentou proposta de R$ 70 milhões para receber um parque localizado na área mais valorizada da cidade e explorá-lo por 35 anos, sem que as formas de uso, restauro e expansão das atuais atividades tenham sido sequer arroladas. 

Durante uma geração, o Ibirapuera estará privatizado, isto é, sua forma de uso subordinada aos cálculos de rentabilidade dos concessionários.

Graças à interveniência do Ministério Público do Meio Ambiente, a assinatura do contrato foi condicionada à elaboração, pela prefeitura, de um Plano Diretor para o parque. A improvisada proposta apresentada para consulta pública não é um Plano Diretor, como bem contestou o Conselho Gestor do Ibirapuera. Limita-se a um compêndio dos setores, áreas e edificações, com diretrizes genéricas, que não define o que será feito. Ademais, seu horizonte temporal, de cinco anos, não guarda relação com o período da concessão.

Nova interferência do Ministério Público exigiu que a prefeitura (que quer acelerar a concessão) realize um verdadeiro Plano Diretor. É fundamental que a nova versão considere, além dos aspectos ambientais, a dimensão cultural do Ibirapuera e os projetos que estavam em curso nesse setor, preocupações que não parecem compartilhadas pela prefeitura e sua Secretaria Municipal de Cultura (SMC).

Projetado por Oscar Niemeyer para o Quarto Centenário (1954), o Parque do Ibirapuera abriga o mais importante conjunto cultural do país. Ele inclui, além da Bienal, do MAM (Museu de Arte Moderna), do MAC (Museu de Arte Contemporânea) e do Museu Afro-Brasileiro, todos administrados por instituições culturais sem fins lucrativos, também o Pavilhão das Culturas Brasileiras, a Oca, o Auditório Ibirapuera, o Planetário e a Escola de Astronomia, sob gestão municipal, e incluídos na concessão sem o cuidado de garantir integralmente suas funções culturais e educacionais.

Também não está prevista na concessão a praça de articulação do setor cultural, entre a Oca, o Auditório e a entrada da marquise, cujo projeto reabilita e atualiza o acesso principal no parque, segundo a concepção original de Niemeyer. A proposta foi desenhada em 2015, a pedido da Secretaria de Cultura, pelo arquiteto Paulo Mendes da Rocha.

Além disso, a reforma do Pavilhão das Culturas Brasileiras que está em andamento com o apoio da Lei Rouanet, tendo obtido patrocínio do BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social), condicionou a sua destinação exclusiva e integral para atividades culturais. Isso foi desconsiderado na concessão e, se nada for feito, o BNDES deverá interromper o patrocínio.

Já o Auditório, gerido pelo Instituto Itaú Cultural, recebe cerca de R$ 18 milhões ao ano para manutenção do edifício e mantém uma programação cultural de qualidade, além de uma escola de música com finalidade social. Apesar disso, ele foi incluído na concessão a partir de 2020, quando vence o contrato, que vem sendo renovado há quase uma década, por diferentes gestões da Secretaria de Cultura.

O Plano Diretor deve definir o futuro do parque em todas suas dimensões, em determinado prazo. A proposta deve incluir um modelo de governança que garanta o que queremos para o parque, ao mesmo tempo em que gera recursos para sua manutenção. Obviamente, uma licitação realizada antes deste plano fica invalidada e deveria ser cancelada.

A melhor forma de gestão para um parque como o Ibirapuera não é uma concessão de "porteira fechada" para uma única empresa, mas uma parceria público-comunitária, com a participação da sociedade civil. Atividades lucrativas específicas compatíveis com o interesse público podem ser concedidas a empresas, por prazo regulados, e em consonância com a dimensão do investimento.

É fundamental garantir o futuro da mais importante área verde e cultural da cidade.

* Nabil Bonduki é arquiteto e urbanista, atualmente professor titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo.

Sobre a autora

Raquel Rolnik é arquiteta e urbanista, é professora titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Foi diretora de planejamento da Secretaria Municipal de Planejamento de São Paulo(1989-92), Secretária Nacional de Programas Urbanos do Ministério das Cidades (2003-07) entre outras atividades ligadas ao setor público. De 2008 a 2014 foi relatora especial da ONU para o Direito à Moradia Adequada. Atuou como colunista de urbanismo da Rádio CBN-SP, Band News FM e Rádio Nacional, e do jornal Folha de S.Paulo, mantendo hoje coluna na Rádio USP e em sua página Raquel Rolnik. É autora, entre outros, de “A cidade e a lei: legislação, política urbana e territórios na cidade de São Paulo” (Studio Nobel, 1997), “Guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças (Boitempo, 2016) e “Territórios em Conflito - São Paulo: espaço, história e política” (Editora três estrelas, 2017).