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A Cidade é Nossa

Férias das crianças: um convite para conhecer outras culturas e tradições

Raquel Rolnik

19/07/2019 09h48

São Paulo tem um ethos ligado à presença de imigrantes.

Já falei em outra ocasião sobre a importância do Museu da Imigração, situado na antiga Hospedaria dos Imigrantes, no bairro do Brás, e um programa imperdível para quem quer conhecer melhor esta história. É fato que os movimentos de imigração mais celebrados são os identificados aos bairros de tradição italiana (Bexiga, Brás e Mooca) ou japonesa (Liberdade), ainda que estas localidades ocultem outras tradições, como por exemplo a presença negra que é central tanto na Liberdade quanto no Bexiga, e isto será certamente tema de outra coluna.

Mas hoje o que proponho são dois programas bem inusitados para fazer com as crianças (principalmente as maiores), mas que são também ótimos para os adultos. Dois programas para conhecer bairros e entender como a cidade se relaciona com outros grupos de imigrantes que a construíram e constroem.

A primeira parada deste roteiro é o Bom Retiro, onde desde o início do século 20, e mais intensamente às vésperas da Segunda Guerra Mundial, chegaram imigrantes judeus oriundos majoritariamente da Europa Oriental. Porta de entrada de imigrantes, o bairro tem hoje presença marcante também de coreanos. Bem ali na rua Três Rios existe um centro cultural chamado Casa do Povo, inaugurado em 1953 justamente por imigrantes judeus para lembrar e homenagear os 6 milhões de mortos nos campos de concentração, mas também para promover uma cultura judaica laica, humanista e anti-fascista.

No prédio modernista de autoria de Ernest Mange já funcionou uma escola que abrigou grupos de teatro iídiche e que mantém até hoje um coral e uma biblioteca, recém restaurada, com uma grande coleção de livros neste idioma. Seu teatro de subsolo, o TAIB, foi construído nos anos 1960 com projeto de Jorge Wilhelm, murais de Renina Katz e boca de cena de Abrão Sanovicz, e foi um dos mais importantes palcos do teatro de vanguarda nos anos 1960 e 1970.

Com a migração da comunidade judaica para outros bairros o prédio acabou muito abandonado e quase fechou, mas renasceu a partir dos anos 2000, como um centro dedicado à memória, ao associativismo e ao futuro, sem nunca ter abandonado seu DNA da luta antifascista.

No ano passado a Casa do Povo lançou um audioguia pelo bairro do Bom Retiro. Através dele, em 55 minutos de duração e tendo como ponto de partida e de chegada a Rua Três Rios, 252, é possível ir percorrendo ruas, esquinas, sinagogas e outras construções muito significativas para a história do bairro. Clique aqui para baixar o arquivo diretamente no seu smartphone ou retire um aparelho na Casa do Povo.

Outro passeio importante para entrar em contato com uma cultura imigrante contemporânea é a feira boliviana que acontece todos os domingos, de 11 da manhã às 19 horas, na Praça Kantuta, no Pari, região central da capital paulista. É uma feira que reúne os bolivianos residentes na cidade, mais de 200 mil pessoas. Suas barracas vendem artesanato, comida, e inclusive itens industrializados produzidos na Bolívia, e caminhar por ali nos ajuda a conhecer um pouco da cultura e  das tradições bolivianas em São Paulo.

Sobre a autora

Raquel Rolnik é arquiteta e urbanista, é professora titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Foi diretora de planejamento da Secretaria Municipal de Planejamento de São Paulo(1989-92), Secretária Nacional de Programas Urbanos do Ministério das Cidades (2003-07) entre outras atividades ligadas ao setor público. De 2008 a 2014 foi relatora especial da ONU para o Direito à Moradia Adequada. Atuou como colunista de urbanismo da Rádio CBN-SP, Band News FM e Rádio Nacional, e do jornal Folha de S.Paulo, mantendo hoje coluna na Rádio USP e em sua página Raquel Rolnik. É autora, entre outros, de “A cidade e a lei: legislação, política urbana e territórios na cidade de São Paulo” (Studio Nobel, 1997), “Guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças (Boitempo, 2016) e “Territórios em Conflito - São Paulo: espaço, história e política” (Editora três estrelas, 2017).