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A Cidade é Nossa

Privatização avança sem avaliação do caminho percorrido

Raquel Rolnik

27/02/2020 11h33

A linha 9 (Esmeralda) opera em trecho de grande fluxo na capital paulista. Foto: Renato Lobo

Está marcada para hoje (27/2), às 19h  a primeira audiência pública sobre a privatização das linhas oito (Diamante) e nove (Esmeralda) da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos). No Auditório André Franco Montoro no Pateo do Colégio, 184, centro da capital , serão apresentados os primeiros detalhes do projeto de concessão. Até agora, sabemos muito pouco a respeito da proposta de privatização e seus possíveis efeitos.

A proposta de privatizar estas linhas já vem de longa data.  O primeiro passo foi dado em 2015 quando a Triunfo participações, empresa que já opera várias rodovias e aeroportos, entre eles o de Viracopos, encaminhou uma Manifestação de Interesse Privado (MIP) ao governo do Estado, propondo um modelo de concessão. O governo estudou a oferta e em seguida pleiteou um financiamento do braço privado do Banco Mundial (IFC) para poder eventualmente entrar nesse processo e anunciando que estava estudando uma proposta de edital para chamar os interessados a apresentar seus modelos, sem, no entanto, esclarecer se tal proposta incorporaria ou não as sugestões apresentadas pela Triunfo — que, aliás, se encontra hoje em processo de recuperação extrajudicial.

A intenção do governo  é fechar o edital a partir da audiência pública e lançá-lo em julho. De acordo com as informações que já foram divulgadas, serão 30 anos de concessão e as empresas que vencerem o certame terão permissão para explorar comercialmente algumas áreas do entorno, além das estações em si. Como contrapartida, o consórcio que levar a licitação terá que reformar e modernizar as estações.

Não são, entretanto, poucos os entraves que podem limitar ou mesmo impedir a implantação da concessão. O mais importante deles, que aliás afeta toda a qualidade e eficiência do sistema de trens da CPTM, é que as linhas 8 e 9 operam sobre um trecho da antiga Estrada de Ferro Sorocabana, que desde os anos 1990 está em sua maior parte nas mãos de concessionárias privadas de transporte de carga. Então, não há como modernizar para valer a operação dos trens sem envolver todo o sistema. E isso ainda não foi equacionado.

Vale relembrar o histórico de privatizações do Brasil. Há mais de década, são feitas concessões de rodovias, trens e aeroportos e é urgente  avaliar os efeitos dessas empreitadas. Tomemos o Porto Maravilha no Rio de Janeiro, como exemplo. O projeto, anunciado como um enorme avanço no modelo de gestão do território e de serviços públicos, simplesmente faliu, onerando os combalidos cofres públicos do Rio de Janeiro.

Aqui no estado de São Paulo várias das empresas envolvidas em processos de privatização passam por recuperação judicial. É o caso da própria Triunfo; a primeira a propor a concessão através da MPI. Sua gestão que controla o aeroporto de Viracopos tem dificuldades financeiras no momento.

A ViaQuatro na capital paulista deveria servir também como lição. O consórcio ganhou a concorrência para operar a quarta linha do metrô, mas depois teve de ser remunerado com recursos públicos. Uma quantidade muito significativa de dinheiro saiu, ou deixou de entrar, nos cofres da CPTM e do Metrô, para manter a iniciativa privada solvente.

É necessária uma avaliação séria e circunstanciada das experiências de privatização. Os serviços melhoraram? Ficaram mais baratos para o usuário? Oneraram ou economizaram recursos públicos? Sem uma discussão aberta, ampla e aprofundada, a tendência é o puro debate ideológico e erros e falácias que se repetem.

Sobre a autora

Raquel Rolnik é arquiteta e urbanista, é professora titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Foi diretora de planejamento da Secretaria Municipal de Planejamento de São Paulo(1989-92), Secretária Nacional de Programas Urbanos do Ministério das Cidades (2003-07) entre outras atividades ligadas ao setor público. De 2008 a 2014 foi relatora especial da ONU para o Direito à Moradia Adequada. Atuou como colunista de urbanismo da Rádio CBN-SP, Band News FM e Rádio Nacional, e do jornal Folha de S.Paulo, mantendo hoje coluna na Rádio USP e em sua página Raquel Rolnik. É autora, entre outros, de “A cidade e a lei: legislação, política urbana e territórios na cidade de São Paulo” (Studio Nobel, 1997), “Guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças (Boitempo, 2016) e “Territórios em Conflito - São Paulo: espaço, história e política” (Editora três estrelas, 2017).