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A Cidade é Nossa

Mais bicicletas, e as ciclovias?

Raquel Rolnik

27/07/2018 09h37

A partir do mês de agosto um novo sistema de compartilhamento vai colocar 20 mil bicicletas nas ruas de São Paulo. A novidade é que elas não vão ficar presas nas estações, como acontece no modelo existente, mas soltas. É uma ótima notícia, porque significa mais uma alternativa de circulação na cidade que não é poluente, que tem um impacto positivo, no sentido inclusive na redução do trânsito, na medida em que menos carros vão circular no momento em que aumentar o número de pessoas que usam as ciclovias e as bicicletas.

É muito importante que este tipo de medida, um novo negócio que usa o espaço público da cidade, seja absolutamente articulado com uma política de circulação cicloviária, ou seja, com um processo que envolva a manutenção e a expansão de um sistema de ciclovias. E parece que não é exatamente isso que estamos vendo.

Em primeiro lugar, e esta notícia chamou muita atenção, nos três primeiros meses de 2018 caiu 40% o número de multas aplicadas a motoristas que invadem, inclusive estacionando, nas ciclovias, em relação ao mesmo período de 2017. É a primeira queda neste número desde que foram ampliadas as ciclovias na cidade (leia a notícia da Folha). Poderíamos dizer que os motoristas estão bem mais educados? O que esses dados parecem indicar, considerando que esta queda é muito maior do que a queda no número total de multas aplicadas na cidade, é que estamos diante de uma fiscalização menos atenta. E isso pode ter a ver com a não priorização, por parte do governo municipal, das ciclovias.

Como se não bastasse, a Prefeitura declarou ter um plano de revisão de ciclovias da cidade, e há uma preocupação se vai isso vai reduzir a oferta da malha já existente. O que está propondo o poder público? Ora, a cidade tem um conselho de transporte e trânsito, com representação da sociedade civil, e dentro dele uma Câmara Técnica da Bicicleta, justamente para que todo o processo de implantação e revisão das ciclovias possa ser discutido e formulado em conjunto com os ciclistas, que são os usuários dessa infraestrutura. Então é fundamental que esse plano seja apresentado e discutido na Câmara Técnica antes de ser divulgado. Mas, segundo declarações de gestores municipais de trânsito, a Prefeitura divulgará em breve seu plano à imprensa, sem ter previamente debatido com nenhuma das entidades que trabalham a questão da bicicleta, muito menos os membros da Câmara Técnica.Este e outros conselhos participativos da cidade não são mais um rito burocrático : existem justamente para que possa haver uma interlocução com a sociedade aperfeiçoando as propostas e projetos

Em outras palavras: a estratégia de aumentar a oferta de bicicletas, mas sem envolver o conselho ou a câmara técnica no processo de planejamento e manutenção da malha cicloviária, provavelmente cuida mais dos interesses das empresas que vão administrar o serviço do que dos cidadãos que esperam trafegar cada vez mais longe, e com mais segurança, pelas ciclovias.

ATUALIZAÇÃO: ATUALIZAÇÃO: Acabou de se tornar público um documento da Câmara Temática da Bicicleta do Conselho Municipal de Trânsito e Transportes da Prefeitura, em que os membros se dirigem ao ao prefeito, Bruno Covas, e ao Secretário de Mobilidade, João Octaviano.

Leia aqui: Carta Aberta da CTB à Prefeitura e Sociedade Civil

Sobre a autora

Raquel Rolnik é arquiteta e urbanista, é professora titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Foi diretora de planejamento da Secretaria Municipal de Planejamento de São Paulo(1989-92), Secretária Nacional de Programas Urbanos do Ministério das Cidades (2003-07) entre outras atividades ligadas ao setor público. De 2008 a 2014 foi relatora especial da ONU para o Direito à Moradia Adequada. Atuou como colunista de urbanismo da Rádio CBN-SP, Band News FM e Rádio Nacional, e do jornal Folha de S.Paulo, mantendo hoje coluna na Rádio USP e em sua página Raquel Rolnik. É autora, entre outros, de “A cidade e a lei: legislação, política urbana e territórios na cidade de São Paulo” (Studio Nobel, 1997), “Guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças (Boitempo, 2016) e “Territórios em Conflito - São Paulo: espaço, história e política” (Editora três estrelas, 2017).