Maio de 1968 e as lutas pelo direito à cidade
Em 2018 completamos 50 anos das manifestações de 1968. O ano marcou lutas protagonizadas pela juventude em diferentes partes do mundo: nos Estados Unidos as manifestações contra a Guerra do Vietnã e o movimento hippie; na Tchecoslováquia contra o autoritarismo da União Soviética; no Brasil a explosão da contracultura e a eclosão da luta armada contra o regime militar; e muitos outros. Mas talvez as imagens que entraram para a história, simbolizando maio de 1968, tenham sido das ruas de Paris, na França, tomadas por uma multidão que não apenas protestava, mas também transformava os próprios muros da cidade num imenso espaço público de discussão sobre a sociedade, a política e a vida, através de grafites e cartazes.
Em maio de 1968 a cidade de Paris não era apenas cenário, mas também o próprio objeto de protesto. Podemos associar este momento, no campo do urbanismo e estudos urbanos na França, como o momento de formulação e lançamento do conceito do "direito à cidade". Foi Henri Lefebvre, sociólogo francês que, ao lançar alguns meses antes dos eventos de maio um livro-manifesto com este título (Le Droit a la Ville), quem cunhou esta expressão/palavra de ordem.
Não por acaso, Lefebvre naquele momento era professor da Universidade de Nanterre, um dos epicentros da revolta estudantil contra as reformas na educação superior, que foi o rastilho da pólvora que incendiou a revolta de 1968. Naquele momento, ele, juntamente com outros pensadores franceses marxistas, rompia com o estruturalismo que marcava hierarquicamente o processo de interpretação da economia política capitalista, centrado no papel da produção econômica e no chão da fábrica, na direção da incorporação da vida cotidiana, e portanto da vida urbana, como espaço fundamental do exercício e da disputa do poder.
Desde seu livro A Revolução Urbana, Lefebvre lança uma teoria, que também é uma práxis, uma metodologia de trabalho, que recusa o urbanismo como pura expressão de um pensamento racionalista, técnico,elaborado de cima para baixo. Para ele, os embates e lutas em torno o direito à cidade são centradas na sua apropriação, apontando para a necessidade imperiosa de um urbanismo formulado por e a serviço das vontades coletivas dos cidadãos, e formulado através de sua participação direta.
O livro de Lefebvre foi rapidamente traduzido, sua primeira edição chegou ao Brasil no ano seguinte, 1969. Em plena ditadura militar, emergia um movimento estudantil pela redemocratização do país que tomava as ruas das grandes cidades. Ao mesmo tempo eclodia um movimento contracultural, do qual o tropicalismo é uma das expressões mais importantes. Ao declarar "é proibido proibir", ecoava na voz de Caetano Veloso, os slogans presentes nos muros de Paris. Ao contrário da França, estas duas dimensões da revolta – os movimentos de esquerda que foram se orientando na direção da luta armada e a rebeldia contracultural – não estavam articulados. E a pauta do direito à cidade, que justamente articula estas várias dimensões, não estava presente da agenda de 1968.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.