Máquina urbanística transforma sem cessar o que é público em privado
Acaba de ser novamente liberada pela Justiça a concessão do Estádio Paulo Machado de Carvalho, popularmente conhecido como Estádio do Pacaembu. O que ainda estava travando o processo era a discussão jurídica sobre o concessionário poder ou não vender o potencial construtivo não utilizado no equipamento como parte das benesses que a prefeitura incluiu no pacote da concessão para atrair o interesse de potenciais empresas interessadas na concessão.
Em outras palavras: está assegurado aos futuros concessionários o direito de vender no mercado imobiliário os metros quadrados adicionais de construção – e que hoje os empreendimentos que ocupam mais de uma vez a área de seus terrenos precisam comprar da Prefeitura. E que o Pacaembu, por ser área tombada pelo patrimônio histórico, não pode utilizar.
A transferência do direito de construir (TDC), exatamente o mesmo instrumento que viabilizou a doação do terreno para o futuro Parque Augusta, é o mecanismo que, em tese, permitirá ao concessionário do Pacaembu esta receita adicional. A ideia por trás do instrumento é incentivar a preservação e garantir a isonomia, já que surgiu para compensar proprietários privados de um imóvel tombado ou protegido pela legislação ambiental que, em função das restrições de uso que decorrem desta proteção, são impedidos de construir prédios ou outros usos que o zoneamento da cidade permite para seus vizinhos na mesma zona. O TDC permite que estes metros quadrados não usados ali sejam vendidos mas também condiciona a transferência ao efetivo investimento na preservação ou doação do imóvel para o poder público.
Mas como tem ocorrido com outros instrumentos urbanísticos, a ideia inicial de promover a qualidade e disponibilidade de nossos bens comuns, a transferência de potencial tem se transformado em mais uma mercadoria. E no caso do Pacaembu, pior, pois o instrumento tem sido aplicado para efetivamente privatizar o que é público.
Os novos concessionários poderão explorar as próprias instalações do estádio, mantendo horários ínfimos de utilização gratuita pelo público, e demolir a arquibancada conhecida como tobogã, onde hoje estão os assentos mais baratos para os amantes de futebol, para a construção de um edifício de oito andares com lojas comerciais, hotelaria, restaurantes e espaços para eventos. A venda do potencial construtivo – bem público – será somada a estas prerrogativas concedida para o privado.
Levantamento realizado na dissertação de mestrado de Flavia Taliberti Peretto, orientada por Paula Santoro, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAUUSP), aponta que hoje mais de 1,5 milhão de m² de transferências de potencial já estão sendo vendidas no mercado imobiliário de São Paulo, ofertadas a preços mais baixos do que a tabela da outorga onerosa do direito de construir.
Lembrando que, de acordo com os levantamentos realizados por Eduardo Nobre, também da FAUUSP, enquanto os recursos da outorga vão para um fundo que de fato tem investido de forma descentralizada em moradia social, mobilidade e preservação, os recursos da venda da TDC vão para os bolsos dos proprietários privados.
A própria prefeitura, reconhecendo a "festa do potencial" que começou a ocorrer a partir da aprovação do Plano Diretor de 2014, quando a Prefeitura com a necessária intenção de viabilizar o instrumento incluiu multiplicadores como incentivos onde as restrições do zoneamento são muito grandes, definiu travas ao TDC na Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo. São estes multiplicadores introduzidos no Plano Diretor que, por exemplo, aumentarão os metros quadrados de transferência do Parque Augusta (3.200 metros m²) em dez vezes na hora de vender.
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