Topo

A Cidade é Nossa

Mudanças no Minha Casa Minha Vida só agravam crise habitacional

Raquel Rolnik

25/04/2019 15h25

As políticas públicas desenhadas para enfrentar a situação de emergência habitacional do país, no lugar de contribuírem, pelo contrário têm piorado o cenário já duramente afetado pela crise econômica, desemprego, e aumento significativo do valor dos imóveis e aluguéis.

No programa Minha Casa Minha Vida, praticamente paralisado e sem ofertas de novos contratos na faixa que atende justamente as situações de maior pobreza e vulnerabilidade, e onde há enorme demora na liberação dos recursos de contratos já assinados, cresceu a inadimplência dos mutuários. Ou seja, quem conseguiu acessar o programa está tendo cada vez mais dificuldade de honrar as prestações.

Desde 2015, pelo menos, o número de contratos com atrasos no pagamento vem crescendo, tendência que se agravou em 2018. De acordo com os dados da CAIXA, que recebe recursos públicos para gerir uma política pública, e é portanto o agente financeiro do programa, se em 2015 eram 167 mil os mutuários em atraso, só entre janeiro e agosto de 2018 estes já somavam 351 mil. Ainda segundo o banco, na faixa 1,  de menor renda, pois destina-se a famílias que ganham até R$ 1.800, a inadimplência chega a 25% dos contratos.

A política da CAIXA tem sido de procurar renegociar as dívidas – e, na persistência da inadimplência, retirar as famílias e colocar os imóveis em leilão. Não há informações precisas e acessíveis publicamente para sabermos exatamente quantas famílias já foram retiradas e quantos casas ou apartamentos já foram a leilão. Entretanto, reportagens publicadas na imprensa noticiaram que só em 2017 foram quase 30 mil e que este número cresce sem cessar.

Em entrevista à Folha de S. Paulo o novo presidente da CAIXA, Pedro Guimarães, avaliou a questão. "As pessoas que tomaram empréstimo tinham condição de pagar? Isso não estava colocado corretamente no risco do crédito". De fato, várias pesquisas, inclusive realizadas por universidades brasileiras, já apontavam para o problema de famílias com renda extremamente baixas, muitas vezes ocasional, e em situações de grande vulnerabilidade, arcarem com os cursos condominiais e de serviços decorrentes do modelo adotado pelo programa. O que exige, sem dúvida, uma reformulação deste.

Entretanto, o que o presidente da CAIXA anuncia como "solução para o problema" é simplesmente, no caso dos mutuários das faixas 1 e 2 (esta específica para famílias com renda de até R$ 4 mil), que a instituição financeira passe a considerar a capacidade de pagamento adicional dessas outras contas nas análises do risco de crédito das famílias. Ou seja: elas não terão mais acesso ao programa.

Trata-se de uma medida que coloca no centro da política a necessidade da Caixa, que recebe recursos públicos para gerir uma política publica, recuperar com lucro o capital investido e não as necessidades habitacionais das famílias. E mais, diante de uma crise habitacional – agravada pelas retiradas das famílias inadimplentes das casas – as respostas do Governo Federal até o momento foram até agora aumentar o teto do financiamento e, agora, excluir quem não pode pagar condomínio, água e luz. Ou seja, este programa, governamental, público, vai mais e
mais se destinar a quem precisa menos dele.

Sobre a autora

Raquel Rolnik é arquiteta e urbanista, é professora titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Foi diretora de planejamento da Secretaria Municipal de Planejamento de São Paulo(1989-92), Secretária Nacional de Programas Urbanos do Ministério das Cidades (2003-07) entre outras atividades ligadas ao setor público. De 2008 a 2014 foi relatora especial da ONU para o Direito à Moradia Adequada. Atuou como colunista de urbanismo da Rádio CBN-SP, Band News FM e Rádio Nacional, e do jornal Folha de S.Paulo, mantendo hoje coluna na Rádio USP e em sua página Raquel Rolnik. É autora, entre outros, de “A cidade e a lei: legislação, política urbana e territórios na cidade de São Paulo” (Studio Nobel, 1997), “Guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças (Boitempo, 2016) e “Territórios em Conflito - São Paulo: espaço, história e política” (Editora três estrelas, 2017).