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A Cidade é Nossa

Em Hollywood, quem diria, inquilinos em greve de pagamento de aluguéis

Raquel Rolnik

08/08/2019 12h24

Por Raquel Rolnik, de Los Angeles

Los Angeles é uma das cidades norte-americanas que mais está sofrendo com a crise de moradia que assola os Estados Unidos desde o estouro da bolha imobiliária em 2008. Aqui, onde mais da metade dos residentes vive em moradias alugadas, e diante de um cenário de salários em queda e alta no preço dos imóveis, os aluguéis tem consumido boa parte do rendimento das famílias – quase 60% dos locatários gastam mais de 30% da sua renda total com esta despesa e há mais de 60 mil pessoas dormindo nas ruas.

A crise da moradia tem atingido não apenas as pessoas de mais baixa renda, mas também a classe média, o que tem posicionado o tema na agenda política e reorganiza o tecido associativo e os movimentos sociais em torno da habitação da cidade. Um destes novos movimentos é o Sindicato dos Inquilinos de Los Angeles, que com as seções por região tem procurado articular os vários grupos que vão emergindo na cidade, lutando contra os despejos e pressionando por um controle público desses aluguéis.

Sim, controle público. Embora os Estados Unidos tenham esta imagem de um liberalismo radical, várias de suas cidades, inclusive Los Angeles, estabeleceram políticas de regulação e controle dos aluguéis. Ao longo do século 20, a cidade conheceu alguns momentos de crise de moradia que também corresponderam a momentos de intervenção forte no mercado residencial.

O primeiro deles foi durante o período da Segunda Guerra Mundial, quando a cidade atraiu muita migração em função dos empregos ligados à indústria armamentista, e como resposta a municipalidade congelou os preços e criou mecanismos para dificultar os despejos de inadimplentes. Isso terminou com o fim da guerra e a pressão dos proprietários para que as medidas fossem suspensas.

Nos anos 1970 uma nova crise, que teve a ver com estagnação econômica, inflação muito alta e aumento da pobreza. Como resposta, não apenas a prefeitura de Los Angeles, mas também as de Beverly Hills, Santa Monica e West Hollywood estabeleceram políticas de controle do preço dos aluguéis. Foi a chamada rent stabilization ordinance, que definiu que o aluguel de todo o parque residencial da cidade só poderia aumentar anualmente e no percentual definido pela própria administração municipal. Esse percentual variou ao longo do tempo e existe até hoje, mas não se aplica aos imóveis que foram construídos depois de 1978.

Várias outras medidas permitem ao proprietário excluir seus imóveis do rent control: quando por exemplo faz reformas no edifício ou, desde 1985, quando foi aprovado o Ellis Act, os proprietários podem romper contratos e despejar seus inquilinos se estiverem saindo do negócio de aluguel.

Foram movimentos como estes que fizeram com que a cidade perdesse muitas unidades.

Percentualmente, portanto, uma boa parte do mercado residencial não é protegida pela rent stabilization ordinance.

Diante da crise atual, que alia a entrada de corporações globais no mercado residencial, mudanças de uso decorrentes de re-zoneamento, contratos de controle de aluguel que expiram, além da perda de unidades em rent control, emerge esta enorme pressão para se restabelecer novas formas de controle, mas também um outro instrumento de mobilização e luta que já esteve presente na história dos Estados Unidos no início do século: as greves de pagamento de aluguel (rent strikes).

Nas greves, os inquilinos simplesmente suspendem os pagamentos para seus locatários, na esperança de negociar com eles os aumentos considerados abusivos. Uma delas, que terminou recentemente, aconteceu em dois imóveis em Hollywood. Eram imóveis encortiçados, que alugavam cômodos e cobravam preços exorbitantes, ofertando condições extremamente precárias para os inquilinos. Estas greves também têm ocorrido em outros locais da cidade, configurando um cenário que parece bem distante da imagem glamourosa da Los Angeles dos filmes e seriados de tevê.

Sobre a autora

Raquel Rolnik é arquiteta e urbanista, é professora titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Foi diretora de planejamento da Secretaria Municipal de Planejamento de São Paulo(1989-92), Secretária Nacional de Programas Urbanos do Ministério das Cidades (2003-07) entre outras atividades ligadas ao setor público. De 2008 a 2014 foi relatora especial da ONU para o Direito à Moradia Adequada. Atuou como colunista de urbanismo da Rádio CBN-SP, Band News FM e Rádio Nacional, e do jornal Folha de S.Paulo, mantendo hoje coluna na Rádio USP e em sua página Raquel Rolnik. É autora, entre outros, de “A cidade e a lei: legislação, política urbana e territórios na cidade de São Paulo” (Studio Nobel, 1997), “Guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças (Boitempo, 2016) e “Territórios em Conflito - São Paulo: espaço, história e política” (Editora três estrelas, 2017).