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Novas regras para financiamentos imobiliários e o jogo duplo da Caixa

Raquel Rolnik

02/09/2019 10h23

Já estão em vigor as novas regras da Caixa Econômica Federal para o cálculo dos reajustes das prestações dos novos financiamentos imobiliários. A boa notícia é que a taxa de juros foi reduzida. Mas também há uma mudança a que os mutuários devem ficar muito atentos, porque é opcional, que é a troca da TR (Taxa Referencial) pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) para reajuste mensal das prestações de novos contratos.

Aparentemente a mudança implica em crédito mais barato para os cidadãos, porque a TR é hoje maior do que o indicador que o IBGE usa para medir a inflação. Portanto os novos mutuários da Caixa poderão encontrar prestações menores se indexarem seus contratos ao IPCA. Mas isso, atenção, só porque a inflação neste momento está bastante baixa.

Entretanto, a estratégia da Caixa não tem exatamente a motivação de beneficiar os consumidores. Seu objetivo, e sobre isso já falou o seu presidente, é se capitalizar, com vistas a bater uma meta de R$ 50 a 100 bilhões anunciadas publicamente quando a nova direção assumiu o banco.

A capitalização se dará por meio de uma complexa operação chamada securitização. Para entendermos: securitização é uma operação que vende no mercado de capitais os recebíveis (ou seja as prestações a receber) de um mutuário que deixa seu imóvel hipotecado enquanto pega o empréstimo. Os recebíveis, ou seja, aquilo que o mutuário pagará ao longo dos 30 anos de seu contrato, a Caixa vende para outros investidores.

E a adoção do IPCA nos novos contratos de financiamento torna, como dizem, "hedgedável" a venda dos recebíveis, já que o mercado de capitais não reconhece índices como a TR, e isto tem dificultado os esforços da instituição financeira para securitizar estes créditos.

Vamos lembrar que foi exatamente a securitização de créditos que aconteceu nos Estados Unidos em larga escala – e que em 2008 acabou gerando uma crise enorme quando os mutuários passaram a ter problemas para honrar suas dívidas, contaminando o conjunto do mercado financeiro, e com repercussões que até hoje são sentidas. O fato de que os créditos a receber das hipotecas residenciais estavam misturados no mercado com todo tipo de papéis e ativos financeiros acabou também expondo os mutuários a um jogo especulativo enorme que resultou na execução de hipotecas e, consequentemente, em milhares de famílias na rua.

Também no Brasil aconteceu alguma coisa mais ou menos parecida, mas no final dos anos 1970, quando a inflação crescia e os mutuários já não conseguiam mais pagar as prestações. Isto gerou um movimento dos usuários para segurar os reajustes, mas a crise terminou com o fechamento do BNH (Banco Nacional da Habitação) em 1986.

Mas não parece que a atual direção da Caixa está muito preocupada com este risco. O movimento, portanto, é bom para o mercado de capitais, mas certamente ruim para os mutuários que optarem por este tipo de reajuste em seus contratos.

Sobre a autora

Raquel Rolnik é arquiteta e urbanista, é professora titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Foi diretora de planejamento da Secretaria Municipal de Planejamento de São Paulo(1989-92), Secretária Nacional de Programas Urbanos do Ministério das Cidades (2003-07) entre outras atividades ligadas ao setor público. De 2008 a 2014 foi relatora especial da ONU para o Direito à Moradia Adequada. Atuou como colunista de urbanismo da Rádio CBN-SP, Band News FM e Rádio Nacional, e do jornal Folha de S.Paulo, mantendo hoje coluna na Rádio USP e em sua página Raquel Rolnik. É autora, entre outros, de “A cidade e a lei: legislação, política urbana e territórios na cidade de São Paulo” (Studio Nobel, 1997), “Guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças (Boitempo, 2016) e “Territórios em Conflito - São Paulo: espaço, história e política” (Editora três estrelas, 2017).