Fim do Minha Casa Minha Vida e o vazio da política de moradia
O prefeito de São Paulo, Bruno Covas, sancionou, nesta semana, a alteração do artigo do Plano Diretor de 2014 que estabelece as regras de destinação de recursos do Fundo de Desenvolvimento Urbano (Fundurb) para o investimento em habitação. Já comentamos aqui o grave precedente aberto por uma alteração do Plano diretor que não passou pelos processos requeridos de debate e aprovação estabelecidos legalmente quando se trata deste tema. Mas aqui abordaremos especificamente o aspecto da habitação.
De acordo com a regra que estava em vigor antes da alteração, 30% dos recursos da venda de potencial construtivo na cidade (a chamada outorga onerosa do direito de construir) deveriam ser destinados obrigatoriamente para para a aquisição de terrenos em áreas centrais para produção de moradia social. Com a mudança aprovada pela Câmara e sancionada pelo prefeito, estes recursos poderão também ser utilizados para construções novas e reformas destinadas para moradia de interesse social.
A decisão da Prefeitura de articular na Câmara Municipal esta alteração está conectada com a crise aberta na Secretaria de Habitação de São Paulo – e, aliás, nas prefeituras de todo o país, diante da paralisação do programa Minha Casa Minha Vida, especialmente grave na faixa 1, aquela que atende os grupos de mais baixa renda e que contava com subsídios do orçamento geral da União.
A decisão de mobilizar os recursos do Fundurb, que apenas em 2019 e até setembro já chegam a quase R$ 540 milhões, está diretamente relacionada a esta ausência. Aparentemente parece uma decisão óbvia – tratar de buscar dinheiro onde este existe. Entretanto, a questão é mais complexa.
Em primeiro lugar, não é apenas a suposta "falta de recursos" que tem determinado uma atuação muito residual da prefeituras em relação ao tema da moradia. No caso de São Paulo, chama a atenção de casos como a Operação Urbana Água Branca, por exemplo, onde milhões de reais estão disponíveis já há anos em um fundo produzir em torno de 600 moradias e até agora isto não foi feito.
Além disso, embora um plano municipal de habitação tenha sido encaminhado à Câmara Municipal há quase três anos, nenhum movimento foi feito para se elaborar e repensar as políticas neste novo contexto. Assim, a prefeitura celebra a chegada de recursos do Fundurb, mas não apresentou até agora quais são os novos programas e de que forma eles atenderão a faixa 1, justamente a mais prejudicada e a mais emergencial. Até o momento, as alternativas de política habitacional apresentadas – as PPPs – claramente não priorizam e não atendem esta demanda. Sendo assim, se os recursos do Fundurb foram destinados às PPPs, será de fato um desvio de finalidade e de prioridade.
Para além disso, é muito preocupante também a ausência de iniciativas do governo federal neste campo. No próximo ano, os recursos para o Minha Casa Minha Vida serão os menores desde que o programa foi lançado. O governo federal tenha anunciado uma iniciativa que substituiria o faixa 1 do programa: um voucher destinado às famílias que têm renda mensal de até R$ 1.200 que residam em municípios com menos de 50 mil habitantes. Este voucher poderia ser utilizado para a compra de um imóvel da sua preferência, ao invés de um oferecido em localidade determinada pelo poder público. Há um enorme perigo de políticas como essa, porque ao contrário do que pensam os defensores desta ideia, os mercados imobiliários e fundiários não funcionam de forma concorrencial – como o de outras mercadorias -, mas são marcados por forte presença de monopólios, além de funcionar como ativo em circuitos financeiros especulativos. Assim, provavelmente, os vouchers provocarão um enorme aumento no preço das terras e imóveis nestas localidades. Além de que a crise habitacional hoje mais grave e emergencial – exatamente pelas mesmas razões – se encontra nas grandes cidades e metrópoles.
O que temos no momento em relação a este tema é literalmente nada. E a crise habitacional só se agrava.
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