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Sem repensar ocupação do solo não há piscinão que dê conta das enchentes

Raquel Rolnik

28/03/2019 07h52

A expansão de São Paulo se dá hoje sobre áreas da Serra da Cantareira e da Serra do Mar, reproduzindo um modelo que expõe a cidade a cada vez mais enchentes e deslizamentos

Nas últimas semanas aconteceram enchentes em muitas cidades do estado de São Paulo. Ao todo 39 pessoas mortas, sendo que 14 apenas na região metropolitana de São paulo. Diante da gravidade da situação, o governo do Estado e prefeitura anunciaram algumas medidas: primeiro um atendimento emergencial para as vítimas, liberando o FGTS dos atingidos, isentando-as do pagamento do IPTU e oferecendo um desconto na conta de água de quem gastou muito tentando retirar a lama das suas casas. Mas também foram anunciadas obras, principalmente a construção de novos piscinões.

A região metropolitana já conta com 31 piscinões, ou bacias de retenção de água junto aos rios, sendo que 22 deles se encontram na capital. Também foram anunciadas ações em conjunto com o governo federal, incluindo obras de contenção de encostas, produção de moradia via programa Minha Casa, Minha Vida. Mas especialmente estas últimas medidas foram anunciadas de forma genérica, sem citar exatamente o que será feito, onde, quando e como.

O grande problema dessa resposta do poder público à calamidade é que esta não incide na origem do problema: uma forma de ocupação do solo que implicou em remover a vegetação, alterar a topografia através de grandes cortes e aterros, rebaixar o lençol freático, canalizar e retificar rios, aterrar e drenar os seus cursos. Esta é a lógica que produz enchentes e deslizamentos. E o pior: um trabalho de pesquisa envolvendo vários centros de investigação e universidades brasileiras financiado pelo Ministério de Ciência e Tecnologia fez uma projeção das perspectivas de expansão da região metropolitana caso o modelo de ocupação continue  o mesmo. É absolutamente chocante perceber que, na verdade, a situação irá piorar nos próximos anos. Porque a região que está sendo ocupada agora, numa expansão que expulsa as pessoas para áreas mais longínquas, mais periféricas, são trechos da Serra da Cantareira, pedaços da Serra do Mar, uma área que do ponto de vista topográfico e geológico é mais vulnerável ainda a enchentes e deslizamentos.

Diante da realidade e destas perspectivas, estes anúncios são absolutamente protelatórios. As obras de piscinão, sim, aumentam a capacidade de retenção das águas, mas já vimos nas últimas enchentes que até o piscinão Guaramiranga, na Vila Prudente, que acabou de ser entregue, não aguentou e transbordou com as chuvas. Porque, na verdade, obras de piscinão são sensacionais para gerar metros cúbicos de obras de engenharia e cerimônias de inauguração, mas a questão fundamental, que é uma atuação preventiva na área de ocupação do solo e particularmente na área de moradia, mais uma vez é ignorada.

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Sobre a autora

Raquel Rolnik é arquiteta e urbanista, é professora titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Foi diretora de planejamento da Secretaria Municipal de Planejamento de São Paulo(1989-92), Secretária Nacional de Programas Urbanos do Ministério das Cidades (2003-07) entre outras atividades ligadas ao setor público. De 2008 a 2014 foi relatora especial da ONU para o Direito à Moradia Adequada. Atuou como colunista de urbanismo da Rádio CBN-SP, Band News FM e Rádio Nacional, e do jornal Folha de S.Paulo, mantendo hoje coluna na Rádio USP e em sua página Raquel Rolnik. É autora, entre outros, de “A cidade e a lei: legislação, política urbana e territórios na cidade de São Paulo” (Studio Nobel, 1997), “Guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças (Boitempo, 2016) e “Territórios em Conflito - São Paulo: espaço, história e política” (Editora três estrelas, 2017).