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Desconhecer é a proposta do governo para solucionar crise de moradia

Raquel Rolnik

29/05/2019 07h00

Há décadas as variáveis do Censo Demográfico são amplamente utilizadas por pesquisadores e gestores públicos – de todos os níveis de governo – para  entender como moramos e, sobretudo, para dimensionar as chamadas necessidades habitacionais do país.  São estes dados que permitem não apenas desenhar um retrato atual, mas também estabelecer uma série histórica, já que podemos contar com o Censo a cada 10 anos e portanto, comparar a evolução e inclusive o impacto das políticas implementadas.

Há décadas também foram adotados, tanto por governos como pela sociedade indicadores que retratam estas condições: as condições materiais das casas, sua densidade, seu custo mensal para as famílias e indivíduos, as condições dos bairros aonde estão inseridos do ponto de vista da infraestrutura, entre outros.

Parte destas informações simplesmente desaparecerá do Censo 2020 em função da pressão que sofre o órgão por parte do Ministério da Economia para cortar custos. Um dos indicadores que  desapareceu na proposta atual é o gasto mensal com o aluguel, justamente o que hoje vem crescendo assustadoramente e se constituiu nos últimos anos o componente que mais tem incidido na piora dos indicadores de moradia.

"Ônus  excessivo com aluguel" e "alto adensamento domiciliar" são duas das variáveis consideradas pela Fundação João Pinheiro no cálculo do chamado " déficit habitacional", uma forma de medir as necessidades habitacionais que, embora utilizada principalmente para medir quantas novas moradias devem ser produzidas, é amplamente utilizada no país como uma medida confiável, por governos, empresários, cidadãos e movimentos.

Outras variáveis, como as informações sobre o entorno dos domicílios – fundamental para pensarmos a moradia não como um teto e quatro paredes e sim como uma  possibilidade de inserção na cidade, também já foram cortadas. O destino do lixo – informação difícil de se obter de forma exata nas prefeituras do país, também já foi eliminado do questionário.  Isso sem falar em  informações preciosas sobre mobilidade, como os deslocamentos casa – estudo, a posse de motocicletas e outras que oferecem os (poucos) indicadores que temos para pensar políticas de transporte coletivo que atendam de verdade quem necessita.

Sr. Ministro, sra. Presidente do IBGE: o barato sai caro. Nenhuma outra pesquisa ou indicador sobre as condições de moradia tem a abrangência e confiabilidade do Censo. Não precisa ser especialista no tema para saber que em termos de moradia estamos mal… Mas só sabendo aonde, como e por quê podemos ter alguma esperança de superar esta situação, desenhando políticas específicas para as necessidades concretas. Conhecer melhor as condições atuais por si só não garante que iremos avançar no desenho de políticas adequadas, mas desconhecê-las certamente contribui para que as políticas sejam erráticas, eleitoreiras e motivadas puramente por interesses negociais.

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Sobre a autora

Raquel Rolnik é arquiteta e urbanista, é professora titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Foi diretora de planejamento da Secretaria Municipal de Planejamento de São Paulo(1989-92), Secretária Nacional de Programas Urbanos do Ministério das Cidades (2003-07) entre outras atividades ligadas ao setor público. De 2008 a 2014 foi relatora especial da ONU para o Direito à Moradia Adequada. Atuou como colunista de urbanismo da Rádio CBN-SP, Band News FM e Rádio Nacional, e do jornal Folha de S.Paulo, mantendo hoje coluna na Rádio USP e em sua página Raquel Rolnik. É autora, entre outros, de “A cidade e a lei: legislação, política urbana e territórios na cidade de São Paulo” (Studio Nobel, 1997), “Guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças (Boitempo, 2016) e “Territórios em Conflito - São Paulo: espaço, história e política” (Editora três estrelas, 2017).