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Desejos para uma São Paulo 2020

Raquel Rolnik

30/12/2019 08h36

Será que seria possível imaginar uma outra São Paulo em 2020? Exercito neste últimos dias do ano uma São Paulo dos desejos, uma cidade com o dinamismo, a força e a potência que a cidade tem, mas sem um décimo do estresse e das perversidades que marcam a experiencia cotidiana dos seus habitantes.

Talvez um dos temas mais complexos é o da mobilidade. Imaginar uma cidade onde seria possível andar de qualquer lugar para qualquer ponto sem ficar horas esperando, sem um trem ou um ônibus lotado, sem ficar parado no trânsito, onde pudéssemos viajar com conforto, rapidamente e por um preço que não comprometesse a comida, a roupa, o aluguel.

Sim, um outro sistema de transporte coletivo de massa que de fato pudesse atender as densidades enormes de viagens que São Paulo produz em seu cotidiano seria necessário. Mas não bastaria: na cidade dos desejos os percursos deveriam ser experiências agradáveis. Calçadas sem buracos, planas, arborizadas, iluminadas onde pudessem andar com segurança cadeirantes, carrinhos de bebê, onde mulheres e crianças pudessem caminhar sem medo.

Aliás, uma cidade sem medo. Sem medo de assédio, estupro, preconceito, intolerância. Sem medo dos outros, desconhecidos, na ruas. Sem medo de confrontar o olhar com pessoas que vivem na rua e assim lembrarmos que vivemos numa cidade que descuida, que abandona – porque não haveria espaço nessa cidade para a desumanidade.

A São Paulo dos desejos seria uma cidade com menos grades, menos catracas, menos barreiras intransponíveis separando e classificando pessoas e coisas. Onde os rastros digitais de nossos movimentos fossem propriedade comum e não estratégias de controle e consumo. Com mais caminhos abertos e compartilhamentos e menos produtos se oferecendo nos atropelando pelo caminho. Uma cidade com comida de verdade plantada pelos cantos e praças, abundante e fresca. Uma cidade de rios e nascentes e não de esgotos e enchentes.

Uma cidade com história, que preserve sua história, diversa, múltipla, que não seja apagada e que o futuro esteja sempre sendo relembrado. Uma cidade onde a periferia seja centro e que o centro resista, sempre, na sua teimosa resiliência caótica. Desejo uma São Paulo onde nós moradores pudéssemos nos sentir donos da cidade, não só no sentido de nos apropriar dela, mas onde pudéssemos decidir seu destino.

O ano de 2020 é de eleições municipais. Infelizmente, provavelmente envolvidos na cortina de fumaça das disputas político partidárias, nada disto será objeto de discussão ou consideração. Mas… E se o exercício dos desejos coletivos puder superar a inércia e romper as barreiras que nos fazem repetir, sempre, os mesmos erros?

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Sobre a autora

Raquel Rolnik é arquiteta e urbanista, é professora titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Foi diretora de planejamento da Secretaria Municipal de Planejamento de São Paulo(1989-92), Secretária Nacional de Programas Urbanos do Ministério das Cidades (2003-07) entre outras atividades ligadas ao setor público. De 2008 a 2014 foi relatora especial da ONU para o Direito à Moradia Adequada. Atuou como colunista de urbanismo da Rádio CBN-SP, Band News FM e Rádio Nacional, e do jornal Folha de S.Paulo, mantendo hoje coluna na Rádio USP e em sua página Raquel Rolnik. É autora, entre outros, de “A cidade e a lei: legislação, política urbana e territórios na cidade de São Paulo” (Studio Nobel, 1997), “Guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças (Boitempo, 2016) e “Territórios em Conflito - São Paulo: espaço, história e política” (Editora três estrelas, 2017).