Custo da moradia aumenta em plena segunda onda de Covid-19 no Brasil
Raquel Rolnik
11/12/2020 14h25
Foto: Guilherme Santos/Sul21
Em meio à chegada de uma "segunda onda" do coronavírus no Brasil — sem que a primeira tenha acabado —, a perspectiva é, além das mortes e desarranjos familiares que as acompanham, de mais impactos negativos sobre a renda. A infeliz diferença, desta vez, é que a maioria das (poucas) políticas de proteção aos mais pobres, como isenções em contas de água e luz e suspensão dos cortes no fornecimento por inadimplência, concentradas no primeiro semestre de 2020, já foram finalizadas sem qualquer previsão de seu retorno ou da criação de novas. Completando o pacote de despesas essenciais do morar, existe ainda um crescimento forte do índice que regula os aluguéis, o IGPM, o que vai encarece-los bastante na virada do ano. Assim, o custo morar se torna cada vez maior e cada vez mais impossível para muitas pessoas, exatamente no momento em que "ficar em casa" é medida essencial de proteção.
Diante do crescimento da epidemia no país durante o primeiro semestre, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) suspendeu universalmente os cortes no fornecimento de luz em todo o Brasil para quem ficasse inadimplente, o que vigorou até agosto — o corte ainda está suspenso para alguns grupos (dentre eles os inscritos na Tarifa Social) até o fim do Estado de Emergência, que termina em 31 de dezembro. A Sabesp também adotou a suspensão de corte de água de consumidores que não pudessem arcar com as contas e isentou do pagamento clientes enquadrados nas categorias de uso residencial social e residencial favela, medida que vigorou de abril até setembro. As previsões mais otimistas não projetam toda a população do país vacinada antes do final do primeiro semestre de 2021, mas, para esta segunda onda que pode durar um bom tempo, até agora não existe plano de proteção para as dificuldades habitacionais que podem decorrer desta situação.
Pelo contrário: a Aneel, que define a política tarifária da energia elétrica no país, reativou o sistema de bandeiras tarifárias e definiu a bandeira vermelha patamar 2 (a mais alta) para este mês de dezembro, com um custo de R$ 6,243 para cada 100 quilowatts/hora consumidos. Isso aconteceu apesar de uma promessa da agência reguladora, em maio, de manter a bandeira verde acionada até o fim do ano, devido à pandemia. A conta de luz de todo mundo deve ficar mais cara a partir deste mês, mas não há horizonte para a volta das isenções ampliadas — a isenção da tarifa para quem consome até 220 quilowatts-hora (kWh) por mês (e que está incluído na Tarifa Social) vigorou de 1º de abril a 30 de junho.
Se água e luz estão pesando no bolso do brasileiro, quando falamos da despesa mais onerosa, o aluguel, é pior ainda: não foi criada nenhuma política pública nacional de controle dos preços, mesmo na primeira onda da pandemia. Apesar da repetição de um apelo incansável de muitos setores da sociedade civil pela preservação do direito à moradia, já é dezembro e avançamos muito pouco nesta matéria.
Mas não foi por falta de propostas. No dia 30 de março deste ano, logo no início da crise, foi apresentado no Senado o PL 1179, que, dentre outros assuntos, propunha que os despejos por falta de pagamento de aluguel fossem suspensos até dia 30 de outubro. O PL virou a Lei 14010/20, que só foi aprovada no começo de junho. Com veto — de nosso Presidente da República, Jair Bolsonaro —, entretanto, justamente do trecho que resguardaria o direito à moradia de muitas famílias ao proibir despejos por falta de pagamento do aluguel (Artigo 9º). Somente dois meses após a aprovação da Lei — ou seja, cinco meses de aluguel desde o início da crise —, com a derrubada do veto presidencial pelo Congresso, em 21 de agosto, os inquilinos obtiveram alguma proteção legal contra despejos, mas só por mais 70 dias.
Atualmente esta definição perdeu a validade, e o IGPM, que é o índice que reajusta os valores dos aluguéis, teve subida desenfreada nos últimos meses, atingindo quase 25% agora em novembro, na última medição. Sem legislação de proteção, muitos locatários serão despejados por não conseguirem pagar valores tão altos.
Com queda na renda, perda de emprego e alta nas contas, como garantir direito à moradia essencial para proteger a vida durante a pandemia?
Sobre a autora
Raquel Rolnik é arquiteta e urbanista, é professora titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Foi diretora de planejamento da Secretaria Municipal de Planejamento de São Paulo(1989-92), Secretária Nacional de Programas Urbanos do Ministério das Cidades (2003-07) entre outras atividades ligadas ao setor público. De 2008 a 2014 foi relatora especial da ONU para o Direito à Moradia Adequada. Atuou como colunista de urbanismo da Rádio CBN-SP, Band News FM e Rádio Nacional, e do jornal Folha de S.Paulo, mantendo hoje coluna na Rádio USP e em sua página Raquel Rolnik. É autora, entre outros, de “A cidade e a lei: legislação, política urbana e territórios na cidade de São Paulo” (Studio Nobel, 1997), “Guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças (Boitempo, 2016) e “Territórios em Conflito - São Paulo: espaço, história e política” (Editora três estrelas, 2017).