Transporte público será mais caro possível sob controle das mesmas empresas
Raquel Rolnik
21/03/2019 09h20
Acabou de acontecer mais uma etapa da concessão bilionária do novo sistema de transporte por ônibus da cidade de São Paulo. Como já havíamos comentado em coluna anterior, dos 32 lotes que compõem o sistema (dividido por regiões e também sub sistemas local (dos bairros até corredores ou estações), estrutural (corredores e vias principais ) e regional (ligações entre centros de bairros), apenas um recebeu mais de uma proposta por parte das empresas concessionárias.
Desta forma não houve propriamente uma concorrência, apesar de formalmente ter ocorrido uma licitação pública, e sim, uma espécie de loteamento entre empresas que já operavam no sistema. Agora já é possível observar os primeiros efeitos da não concorrência: todas as empresas do sistema local, cujos envelopes foram os primeiros a serem abertos, apresentaram o preço máximo estipulado no edital da licitação.
Neste primeiro momento, apenas as empresas que se apresentaram para operar no sistema local foram habilitadas e tiveram suas propostas conhecidas. Isto porque na hora da Prefeitura habilitar as demais empresas que participaram do certame, a Procuradora Geral da Fazenda Nacional interpôs um recurso para impedir a continuação da licitação. Isso porque um cruzamento de nomes e CNPJs revelou que várias empresas "novas" que haviam participado da concorrência eram na verdade as mesmas que já são responsáveis pelo transporte público em São Paulo, e que estavam inadimplentes com suas obrigações tributárias e, para não serem impedidas de entrar, abriram novas empresas. Entretanto, um acordo entre a PGFN e as empresas está sendo feito garantindo que paguem seus débitos e, assim, a concorrência vai seguir.
Imaginamos que exatamente o que ocorreu com o sistema local ocorrerá com os demais. Ou seja, todas as empresas devem ter apresentado o preço máximo. Ou seja, apesar de a prefeitura da cidade de São Paulo, tanto na gestão Haddad como na gestão Dória, ter feito uma tentativa de romper o controle do sistema pelos de sempre, e desta forma avançar para incorporar novas formas de operação, avaliação e fiscalização, foi mais forte a capacidade de organização e poder político das empresas – que, ao impedir que a licitação avançasse até que o edital claramente as favorecesse, em seguida lotearam entre elas os segmentos e nichos, bloqueando a concorrência.
Com isso, elas é que continuarão mandando no nosso combalido sistema de ônibus. E, sim, o nosso transporte será mais caro. Caberá a nós, usuários e cidadãos, pagar a conta, seja através do pagamento da tarifa, seja através do subsídio que vem do orçamento da cidade.
Sobre a autora
Raquel Rolnik é arquiteta e urbanista, é professora titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Foi diretora de planejamento da Secretaria Municipal de Planejamento de São Paulo(1989-92), Secretária Nacional de Programas Urbanos do Ministério das Cidades (2003-07) entre outras atividades ligadas ao setor público. De 2008 a 2014 foi relatora especial da ONU para o Direito à Moradia Adequada. Atuou como colunista de urbanismo da Rádio CBN-SP, Band News FM e Rádio Nacional, e do jornal Folha de S.Paulo, mantendo hoje coluna na Rádio USP e em sua página Raquel Rolnik. É autora, entre outros, de “A cidade e a lei: legislação, política urbana e territórios na cidade de São Paulo” (Studio Nobel, 1997), “Guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças (Boitempo, 2016) e “Territórios em Conflito - São Paulo: espaço, história e política” (Editora três estrelas, 2017).