A Cidade é Nossa http://raquelrolnik.blogosfera.uol.com.br Raquel Rolnik é arquiteta e urbanista, é professora titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Fri, 08 Jan 2021 16:35:35 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Relatório aponta diretrizes para políticas públicas de moradia pós-pandemia http://raquelrolnik.blogosfera.uol.com.br/2021/01/08/relatorio-aponta-diretrizes-para-politicas-publicas-de-moradia-pos-pandemia/ http://raquelrolnik.blogosfera.uol.com.br/2021/01/08/relatorio-aponta-diretrizes-para-politicas-publicas-de-moradia-pos-pandemia/#respond Fri, 08 Jan 2021 16:35:35 +0000 http://raquelrolnik.blogosfera.uol.com.br/?p=1280

“Suspenda o aluguel, ou as pessoas morrerão.” Foto: Drew A. Kelley/Los Angeles Daily News

Com a pandemia do novo coronavírus, se tornou evidente a estreita relação entre o direito à moradia e o direito à saúde e à vida, e governos de diversos países se viram forçados a adotar políticas de proteção e de intervenção em mercados residenciais que, apesar de fundamentais há muito tempo, eram consideradas impensáveis e inaplicáveis.

Esta abertura política, possível em função da emergência, se insere em um contexto em que a crise da moradia já era alarmante mesmo antes do avanço do vírus e de seus impactos econômicos. Para sanar os efeitos desta crise e impedir que se expanda ainda mais, é preciso que as medidas de proteção à moradia adotadas durante o momento de contenção da Covid-19 deixem de ser exceção, e que a garantia do direito à moradia adequada entre de maneira sólida e urgente na agenda política global.

O relatório Towards a post-pandemic housing policy for cities (Em direção a políticas de moradia para cidades no pós-pandemia), que produzi com Eva Garcia Chueca para o CIDOB (Barcelona Centre for International Affairs), recolhe as experiências de intervenção nos mercados residenciais de moradia e de políticas públicas dessa área desenvolvidas durante a pandemia em vários países do mundo. Em seguida, apresentamos um conjunto de diretrizes de continuidade, desenvolvimento e aprofundamento destas políticas (e de outras mais) para além da pandemia.

O relatório aponta que as medidas que foram adotadas durante os primeiros meses da crise sanitária basicamente se organizaram em torno de duas estratégias complementares: a intervenção em mercados residenciais privados e em parques públicos de moradia; e o acolhimento de emergência da população sem teto. Isso foi feito, via de regra, por meio de subsídios ou moratórias em aluguel e hipotecas, suspensão de remoções e despejos, garantia da continuidade de serviços básicos (como água, gás e eletricidade) e disponibilização de habitação para a população sem teto.

Leia o relatório completo em inglês ou espanhol e conheça as diretrizes para políticas públicas de proteção à moradia recomendadas.

 

]]>
0
No ano em que o coronavírus reinou, o transporte coletivo naufragou http://raquelrolnik.blogosfera.uol.com.br/2020/12/17/no-ano-em-que-o-coronavirus-reinou-o-transporte-coletivo-naufragou/ http://raquelrolnik.blogosfera.uol.com.br/2020/12/17/no-ano-em-que-o-coronavirus-reinou-o-transporte-coletivo-naufragou/#respond Thu, 17 Dec 2020 15:49:49 +0000 http://raquelrolnik.blogosfera.uol.com.br/?p=1270

Foto: Yan Marcelo

Fim de 2020 chegando, hora de balanço. É quase impossível não falar sobre a pandemia, o assunto que dominou o ano e impactou a vida de tanta gente. E esse impacto foi global, mas, como todos os fenômenos globais, a forma como a pandemia foi enfrentada escancarou as diferenças: entre países, cidades, bairros e segmentos populacionais. Podemos fazer esta leitura a partir de muitos pontos de vista, mas escolho aqui o tema do transporte coletivo, uma área vital no cotidiano da cidade, mas  que durante a crise político-sanitária ganhou ainda maior importância e também passou por crise, não devidamente debatida e muito menos enfrentada pelos governos, ainda que se trate de um serviço público de primeira necessidade. O conforto no transporte público é uma questão antiga e urgente, que diz respeito à saúde e qualidade de vida das pessoas. Durante uma pandemia esta eficiência do transporte se torna absolutamente central também para a preservação da vida.

A verdade é que, em um momento em que o distanciamento de outros seres humanos foi (e ainda é) imperativo para a saúde pública, e milhões de brasileiros não têm a opção de parar de trabalhar se deslocando por transporte público, as alternativas que foram implementadas neste campo, majoritariamente focadas na necessidade de manutenção do equilíbrio financeiro dos contratos com as  concessionárias privadas que prestam este serviço em nossas cidades não só não garantiram as condições seguras para este deslocamento, mas muitas vezes até pioraram a situação. Dentre estas a redução na frota de ônibus em plena pandemia, sem relação direta com as necessidades reais de deslocamento da população (que é heterogênea na cidade), que  aumentou a aglomeração dentro dos veículos.

Neste ano, um estudo do LabCidade mostrou que existe uma forte relação entre a circulação para trabalho por meio do transporte público e o contágio pelo coronavírus, provavelmente decorrente da alta densidade e tempo largo dentro destes veículos. No final de junho, publicamos um mapa que cruza locais de origem das viagens diárias por transporte público (a partir de uma distribuição que considera número de viagens nas zonas origem-destino e distribuição populacional dentro dessas zonas) com áreas de concentração das residências de pessoas hospitalizadas com Covid-19 e Síndrome Respiratória Grave (SRAG) sem identificação. O estudo também foi publicado pela Agência Fapesp.

Mapa: Pedro Mendonça/ LabCidade

Todos os dados disponíveis para as viagens por transporte coletivo mostram uma queda do número total de passageiros, desde o início da pandemia. Números da ANPTrilhos (Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos) divulgados em matéria da Folha de S.Paulo mostram que existem locais onde a demanda por trens urbanos, metrôs e VLTs (Veículos Leves sobre Trilhos) caiu para menos da metade dos valores  de março, quando começaram as restrições sanitárias a fim de conter a disseminação do coronavírus. Temos como exemplo Minas Gerais e Rio de Janeiro, que transportaram na primeira quinzena de novembro 44% e 47% do total de passageiros que transportavam antes da pandemia. A ANPTrilhos ainda divulgou à matéria dados da demanda no Rio Grande do Sul (51%), São Paulo (52%) e Distrito Federal (54%) como exemplos em crise. E nem os melhores cenários são bons o suficiente para escapar dos super prejuízos: Bahia, com 60%, e Pernambuco, com 72%. Veja abaixo uma linha do tempo da demanda por ônibus na cidade de São Paulo:

Gráfico: UOL. Veja ampliado.

Mas não comemore esses números: além dos prejuízos acumulados de R$ 7,18 bilhões até outubro (dados divulgados pela BBC Brasil), que ainda não foram equacionados e ameaçam incidir em tarifaços (em plena pandemia!), infelizmente uma queda na demanda pelo transporte — sob esse nosso modelo de remuneração das empresas — não significa queda na lotação dentro dos veículos. Na verdade, como as empresas diminuem a frota a fim de manter sua rentabilidade, os brasileiros continuam viajando diariamente em ônibus lotadíssimos, Isso acontece porque todo o nosso modelo de mobilidade urbana está baseado na remuneração das empresas concessionárias por tarifa de cada passageiro. Discuti aqui como este modelo é absolutamente falho e como poderíamos ter um transporte de qualidade muito superior caso remunerássemos as empresas por quilômetro rodado, o que as estimularia a ampliar a frota invés de diminuí-la (e superlotar os veículos).

Na periferia paulistana, pesquisadores da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), Campus Zona Leste, da Rede Mobilidade Periferias/Instituto das Cidades criaram o aplicativo para celulares Sufoco, que permite que as pessoas que estão usando o transporte público consigam dizer em tempo real o quanto os veículos estão superlotados. Segundo matéria da Folha de S. Paulo, desde 9 de novembro, dia em que foi disponibilizado para celulares Android na loja de aplicativos, mais de 200 pessoas baixaram o app, que recebeu cerca de 40 alertas de lotação. Em dados preliminares da pesquisa,  65% foram alertas de superlotação nos ônibus, 20% nos trens da CPTM e 15% no Metrô. Sobre a condição geral de lotação para todos os meios de transporte anteriores, 65% das pessoas indicaram que o transporte em questão estava “muito lotado” (passageiros em pé e com aglomeração), 30% responderam “lotado” (passageiros em pé e sem aglomeração) e 5% “lotação máxima” (não foi possível entrar).

Apesar de múltiplas pesquisas terem apontado, e ainda estarem apontando, a urgência de políticas públicas muito comprometidas e bem planejadas para a mobilidade urbana (com e sem pandemia), os governos patinam neste tema.

Uma articulação de prefeituras de grandes cidades e entidades de defesa do transporte coletivo junto ao Congresso conseguiu aprovar o PL 3364/2020, que destinaria 4 bilhões em recursos do Governo Federal para os municípios com mais de 200 mil habitantes salvarem seu transporte público do colapso. O projeto exigia contrapartidas de eficiência e de qualidade das empresas, algo que deveria se tornar padrão nas políticas. Mas, apesar de crucial, o PL foi vetado integralmente por Jair Bolsonaro, que alegou falta de recursos. Enquanto isso, o Ministério da Economia estuda propor uma desoneração fiscal sobre os preços dos combustíveis para aviação. As articulações em defesa do transporte público ainda tentam derrubar o veto ao PL 3364.

Mas este é só um aspecto. Mesmo aprovado, o PL não garante algo que as prefeituras já poderiam estar fazendo, que é um planejamento dos transportes baseado nas necessidades reais de deslocamento nas cidades (que são heterogêneas), levando em consideração a proteção da vida. E, a partir das lições aprendidas com a pandemia, é crucial redesenhar este modelo de gestão e financiamento do transporte coletivo que já se revelou caro, ineficiente e insustentável.

 

]]>
0
Custo da moradia aumenta em plena segunda onda de Covid-19 no Brasil http://raquelrolnik.blogosfera.uol.com.br/2020/12/11/custo-da-moradia-aumenta-em-plena-segunda-onda-de-covid-19-no-brasil/ http://raquelrolnik.blogosfera.uol.com.br/2020/12/11/custo-da-moradia-aumenta-em-plena-segunda-onda-de-covid-19-no-brasil/#respond Fri, 11 Dec 2020 17:25:42 +0000 http://raquelrolnik.blogosfera.uol.com.br/?p=1267

Foto: Guilherme Santos/Sul21

Em meio à chegada de uma  “segunda onda” do coronavírus no Brasil — sem que a primeira tenha acabado —, a perspectiva é, além das mortes e desarranjos familiares que as acompanham, de mais impactos negativos sobre a renda. A infeliz diferença, desta vez, é que a maioria das (poucas) políticas de proteção aos mais pobres, como isenções em contas de água e luz e suspensão dos cortes no fornecimento por inadimplência, concentradas no primeiro semestre de 2020, já foram finalizadas sem qualquer previsão de seu retorno ou da criação de novas. Completando o pacote de despesas essenciais do morar, existe ainda um crescimento forte do índice que regula os aluguéis, o IGPM, o que vai encarece-los bastante na virada do ano. Assim, o custo morar se torna cada vez maior e cada vez mais impossível para muitas pessoas, exatamente no momento em que “ficar em casa” é medida essencial de proteção.

Diante do crescimento da epidemia no país durante o primeiro semestre, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) suspendeu universalmente os cortes no fornecimento de luz em todo o Brasil para quem ficasse inadimplente, o que vigorou até agosto — o corte ainda está suspenso para alguns grupos (dentre eles os inscritos na Tarifa Social) até o fim do Estado de Emergência, que termina em 31 de dezembro. A Sabesp também adotou a suspensão de corte de água de consumidores que não pudessem arcar com as contas e isentou do pagamento clientes enquadrados nas categorias de uso residencial social e residencial favela, medida que vigorou de abril até setembro. As previsões mais otimistas não projetam toda a população do país vacinada antes do final do primeiro semestre de 2021, mas, para esta segunda onda que pode durar um bom tempo, até agora não existe plano de proteção para as dificuldades habitacionais que podem decorrer desta situação.

Pelo contrário: a Aneel, que define a política tarifária da energia elétrica no país, reativou o sistema de bandeiras tarifárias e definiu a bandeira vermelha patamar 2 (a mais alta) para este mês de dezembro, com um custo de R$ 6,243 para cada 100 quilowatts/hora consumidos. Isso aconteceu apesar de uma promessa da agência reguladora, em maio, de manter a bandeira verde acionada até o fim do ano, devido à pandemia. A conta de luz de todo mundo deve ficar mais cara a partir deste mês, mas não há horizonte para a volta das isenções ampliadas — a isenção da tarifa para quem consome até 220 quilowatts-hora (kWh) por mês (e que está incluído na Tarifa Social) vigorou de 1º de abril a 30 de junho.

Se água e luz estão pesando no bolso do brasileiro, quando falamos da despesa mais onerosa, o aluguel, é pior ainda: não foi criada nenhuma política pública nacional de controle dos preços, mesmo na primeira onda da pandemia. Apesar da repetição de um apelo incansável de muitos setores da sociedade civil pela preservação do direito à moradia, já é dezembro e avançamos muito pouco nesta matéria.

Mas não foi por falta de propostas. No dia 30 de março deste ano, logo no início da crise, foi apresentado no Senado o PL 1179, que, dentre outros assuntos, propunha que os despejos por falta de pagamento de aluguel fossem suspensos até dia 30 de outubro. O PL virou a Lei 14010/20, que só foi aprovada no começo de junho. Com veto — de nosso Presidente da República, Jair Bolsonaro —, entretanto, justamente do trecho que resguardaria o direito à moradia de muitas famílias ao proibir despejos por falta de pagamento do aluguel (Artigo 9º). Somente dois meses após a aprovação da Lei — ou seja, cinco meses de aluguel desde o início da crise —, com a derrubada do veto presidencial pelo Congresso, em 21 de agosto, os inquilinos obtiveram alguma proteção legal contra despejos, mas só por mais 70 dias.

Atualmente esta definição perdeu a validade, e o IGPM, que é o índice que reajusta os valores dos aluguéis, teve subida desenfreada nos últimos meses, atingindo quase 25% agora em novembro, na última medição. Sem legislação de proteção, muitos locatários serão despejados por não conseguirem pagar valores tão altos.

Com queda na renda, perda de emprego e alta nas contas, como garantir direito à moradia essencial para proteger a vida durante a pandemia?

]]>
0
A redistribuição dos votos no segundo turno em São Paulo http://raquelrolnik.blogosfera.uol.com.br/2020/12/10/a-redistribuicao-dos-votos-no-segundo-turno-em-sao-paulo/ http://raquelrolnik.blogosfera.uol.com.br/2020/12/10/a-redistribuicao-dos-votos-no-segundo-turno-em-sao-paulo/#respond Thu, 10 Dec 2020 13:08:01 +0000 http://raquelrolnik.blogosfera.uol.com.br/?p=1263


Pedro Mendonça, Aluízio Marino, Raquel Rolnik, Paula Santoro, Gisele Brito e Débora Ungaretti *

Recentemente publicamos uma análise territorial do voto no segundo turno para prefeito na cidade de São Paulo. Nela criticamos uma ideia sustentada por mapas que circularam na mídia e nas redes sociais: a de que o cenário político da cidade estaria estagnado desde 2018. Esta concepção reducionista da dinâmica eleitoral apontava que a divisão do votos Covas/Boulos no segundo turno municipal de 2020 reproduzia exatamente a divisão Bolsonaro/Haddad no segundo turno presidencial de 2018. Já apontamos no texto anterior os problemas dessa visão. Agora, com os dados por local de votação divulgados pelo TSE na última quarta-feira, podemos explorar em mais detalhes como foi a dinâmica de redistribuição do voto do primeiro para o segundo turno, e com isso observar outros elementos que a narrativa da estagnação não revela. 

Começamos pela variação das abstenções, brancos e nulos, que aconteceu de forma heterogênea na cidade. Os mapas de barras mostram a variação do percentual da soma de votos não-válidos e abstenções, e estão em escala comparável entre si e com nossos mapas do primeiro turno. 

Houve um aumento geral na proporção de votos válidos (aqueles que desconsideram brancos e nulos) sobre os votos totais e em algumas regiões também houve diminuição da abstenção. Ao combinarmos abstenções, brancos e nulos em ambos os turnos, temos um mapa da variação das “não-escolhas” de eleitores, ou seja, aqueles que não votaram em nenhum candidato. Nessa representação, valores negativos indicam uma diminuição das não-escolhas, pessoas que não votaram em candidato algum no primeiro turno e que escolheram entre Covas e Boulos no segundo.

Apesar da variação pequena em relação ao primeiro turno, entre -2% e +2%, a mudança entre turnos tem uma distribuição espacial bem clara. Na Zona Sul,  em especial na região de Jardim Ângela, Capão Redondo e Jardim São Luís, e em bairros da Zona Oeste, como Jardins e Vila Madalena, mais pessoas passaram a votar em um candidato. Já na Zona Leste, com foco nos bairros do norte desta região, ocorre o movimento oposto: cresce o número de eleitores que deixaram de votar em algum candidato. 

Os resultados eleitorais por local de votação também nos permitem observar o crescimento dos dois candidatos em relação aos votos que receberam no primeiro turno. Os pares de mapas estão graduados na mesma escala para permitir comparações. Boulos apresenta um crescimento acentuado e concentrado nas áreas periféricas. Como apresentamos anteriormente, o candidato havia conseguido no primeiro turno mais votos na região central, em bairros ao longo do espigão da Avenida Paulista, da Av. Domingos de Morais e da Av. Rebouças. Essas regiões não apresentaram crescimento expressivo do candidato no segundo turno, indicando saturação do eleitorado já no primeiro turno. Já Covas apresenta um crescimento homogêneo em toda a cidade.

Podemos estender a leitura sobre crescimento entre turnos ao observar os efeitos dos  apoios oficiais de candidaturas. Os mapas a seguir apresentam o crescimento de Covas e Boulos em relação à soma dos votos dos candidatos derrotados no primeiro turno que declararam apoio para o segundo. Ou seja: trata-se de uma cartografia dos locais onde Covas e Boulos capturaram (ou não) votos para além da coalização oficial formada no segundo turno. Se os votos somados de todos os candidatos que compuseram a coalizão do segundo turno for igual pelo candidato no segundo turno, o valor da proporção é de 100%; no caso de expansão para além da coalizão de apoio, o valor está acima de 100%. Fica abaixo de 100% se o candidato não conseguiu trazer os votos dos apoiadores.

Vemos que Boulos conseguiu ampliar territorialmente sua base, capturando votos nas periferias para além da coalizão – considerando os apoios oficiais de Jilmar Tatto (PT), Marina Helou (Rede), Orlando Silva (PCdoB) e apoio crítico de Vera Lúcia (PSTU), além dos votos que ele próprio obteve no primeiro turno. Como a proporção é mais de 100%, essa expansão se deve tanto à captura de votos brancos e nulos quanto aos votos “virados”. Uma hipótese para explicar a concentração espacial do crescimento é a presença de apoios locais na campanha, que podem ter capturado parte dos eleitores da periferia que votaram em Covas e Márcio França no primeiro turno. Observamos também uma correspondência espacial entre a expansão de Boulos além de sua base e as regiões que concentraram votos em Celso Russomanno no primeiro turno. O candidato do Republicanos, que teve o seu melhor desempenho nas bordas da cidade, declarou apoio a Covas no segundo turno. Apesar de que a simples leitura territorial dos votos não nos permite afirmar se os novos eleitores de Boulos votaram em Russomanno no primeiro turno, a coincidência espacial mostra que a campanha Boulos/Erundina alcançou áreas que votaram majoritariamente em Russomanno.

Bruno Covas também ampliou a sua base para além dos votos dos apoios oficiais – considerando ele mesmo, Joice Hasselmann (PSL), Andrea Matarazzo (PSD) e Celso Russomanno (Republicanos). A maior expansão do candidato ocorre nas bordas do centro expandido, como Santana, Vila Maria, Penha, Tatuapé, Mooca, Ipiranga, Campo Belo, e em partes da Zona Norte – Tucuruvi e Tremembé. A expansão de Covas também parece ser explicada pela conversão de votos de candidatos que não ofereceram apoio oficial, como Márcio França (PSB) e, especialmente, Arthur do Val (Patriotas), com quem ocorre mais precisa correspondência espacial. Do Val teve seu melhor desempenho justamente onde indicamos o maior crescimento de Covas no segundo turno, o que sugere maciça transferência de seus votos para Covas.

Em conjunto, os mapas indicam que os apoios políticos ou a falta deles não se traduzem em votos de forma automática. Boulos obteve um bom desempenho justamente onde o candidato apoiado por Bolsonaro (Russomanno) foi melhor, o que aponta para uma complexidade maior na leitura do chamado “voto da periferia”. Por outro lado, Arthur do Val e Covas foram melhor em regiões que tiveram os mais altos percentuais do voto em Bolsonaro em 2018, mostrando que esse eleitorado da “nova direita” não acompanhou as indicações do presidente.

A análise espacial dos votos faz parte dos esforços do LabCidade de procurar aprofundar representações e entender mudanças nas dinâmicas político territoriais da cidade. Busca, com isso, fazer uma leitura que vá além daquela marcada por oposições binárias (como centro/periferia ou esquerda/direita) e que não parecem corresponder a realidades muito mais complexas que merecem ser melhor apontadas – e como agenda de pesquisa, melhor compreendidas.

**Graduando na FAU-USP e pesquisador do LabCidade; Doutorando na UFABC e pesquisador do LabCidade; Professora da FAU-USP e coordenadora do LabCidade; Mestranda na FAU-USP e pesquisadora do LabCidade; Professora da FAU-USP e coordenadora do LabCidade; Doutoranda na FAU – USP e pesquisadora do LabCidade. Texto originalmente publicado no site do LabCidade.

]]>
0
Quem quer a destruição do ginásio do Ibirapuera? Eu não… e você? http://raquelrolnik.blogosfera.uol.com.br/2020/12/04/quem-quer-a-destruicao-do-ginasio-do-ibirapuera-eu-nao-e-voce/ http://raquelrolnik.blogosfera.uol.com.br/2020/12/04/quem-quer-a-destruicao-do-ginasio-do-ibirapuera-eu-nao-e-voce/#respond Fri, 04 Dec 2020 15:15:50 +0000 http://raquelrolnik.blogosfera.uol.com.br/?p=1245


Nesta segunda-feira (30), o Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico do Estado de São Paulo, o Condephaat, rejeitou pedido de abertura de processo de tombamento do Ginásio do Ibirapuera. O pedido do estudo de tombamento foi uma das frentes mobilizadas para impedir a demolição do Ginásio do Ibirapuera e o Conjunto Desportivo Constâncio Vaz Guimarães, demolição essa que acontecerá para dar lugar a uma arena multiuso que ocupará um espaço, antes público, com eventos e atividades comerciais; e que, juntamente com a construção de uma torre comercial onde hoje é o complexo aquático, vai compor área a ser explorada pela iniciativa privada a fim de viabilizar a lucratividade de seus negócios. O edital já foi lançado, e a expectativa é de que o concessionário seja escolhido em fevereiro, de acordo com a Folha de S.Paulo.

O questionamento desta concessão e suas estratégias tem vindo de várias frentes de moradores da cidade.

  • Abaixo-assinados juntaram atletas, ex-atletas e moradores da cidade que usam o ginásio e que expressam relações afetivas, de memória coletiva, com ele.
  • Professores da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP elaboraram um manifesto no qual expõem de maneira clara todos os atributos que fazem deste complexo um lugar central na história da arquitetura — e urbanismo — da cidade e do país.
  • Ao Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico (Condephaat), que rejeitou o pedido de tombamento, havia sido elaborado um parecer que demonstra todos os argumentos técnicos no âmbito do patrimônio histórico para a abertura do estudo de tombamento, feito por Renato Anelli, representante do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) no Conselho. Lembremos que este parecer foi rejeitado em meio a um contexto criado em 2019, quando o governador do estado alterou a composição do Conselho, garantindo seu controle político, e, evidentemente, esvaziando este espaço como lugar de decisão para além do próprio governo.
  • Vários comentaristas, como o jornalista Juca Kfouri (São Paulo regride aceleradamente), o arquiteto e urbanista Nabil Bonduki (São Paulo não precisa de mais um shopping em área pública), e o também arquiteto e urbanista Silvio Oksman (O futuro do conjunto esportivo do Ibirapuera) denunciaram de forma clara os absurdos contidos neste projeto.

Um abraço-protesto no Ginásio está convocado para o próximo domingo (06/12), às 9h da manhã. Ali, você que ama o Ibirapuera, que acredita que a dimensão pública (leia-se não de governos, mas do povo, comum a nós) é mais importante que os negócios privados, tem também uma oportunidade de expressar a rejeição a esta ideia. #abraceoibirapuera

André Rieu no Ginásio do Ibirapuera, 2012. Foto: Reprodução/ Vídeo de Gustavo Fumero no Youtube.

Foto: Gabriel Cabral / reprodução Folhapress

Foto: Reprodução/ Governo do estado de São Paulo

Cartões-postais. Reprodução/ Blog Sampa Histórica

 

]]>
0
Cartografias do voto em São Paulo: outras camadas, outras narrativas http://raquelrolnik.blogosfera.uol.com.br/2020/12/02/cartografias-do-voto-em-sao-paulo-outras-camadas-outras-narrativas/ http://raquelrolnik.blogosfera.uol.com.br/2020/12/02/cartografias-do-voto-em-sao-paulo-outras-camadas-outras-narrativas/#respond Wed, 02 Dec 2020 13:51:38 +0000 http://raquelrolnik.blogosfera.uol.com.br/?p=1233

Elaboração: Pedro Mendonça/LabCidade FAU-USP

Por Pedro Mendonça, Aluízio Marino, Raquel Rolnik, Gisele Brito e Paula Freire Santoro* 

Assim que terminou a apuração dos votos do segundo turno para prefeito da cidade de São Paulo, começaram a circular mapas com o resultado da votação por zona eleitoral. Basicamente, esses mapas mostravam a vitória de Bruno Covas na cidade inteira, com exceção de algumas zonas no extremo Leste (Cidade Tiradentes e São Mateus) e da periferia Sul (Capão Redondo, Campo Limpo e Grajaú). Como já apontamos em nossos mapas dos votos no primeiro turno, esta é uma leitura pouco explicativa, que quando analisada em outras escalas, especificamente a das seções eleitorais, nos revela um cenário mais complexo. É o que vamos procurar fazer assim que as informações por boletim de urna forem liberadas pelo TSE.

Entretanto, mesmo na escala da zona eleitoral já é possível fazer alguns apontamentos. O primeiro se refere à comparação dos mapas de votação da disputa de 2020, entre Guilherme Boulos (PSOL) e Bruno Covas (PSDB), com os resultados do segundo turno da eleição presidencial em 2018, envolvendo Jair Bolsonaro (à època PSL, hoje sem partido) e Fernando Haddad (PT). As narrativas apoiadas nesses mapas apontavam para a coincidência absoluta das duas corridas eleitorais, ou seja, que, no embate entre “direita” (Covas e Bolsonaro) e a “esquerda” (Boulos e Haddad) nada teria mudado  entre 2018 e 2020.

Mapa: G1

Mas será que de fato, na geografia dos votos das últimas eleições paulistanas nada mudou? Como já temos insistido em trabalhos anteriores, os mapas revelam, mas também escondem. A narrativa que simplifica o debate entre direita e esquerda, áreas ricas e pobres da cidade, não ajuda a entender quais foram as coalizões, as forças e os repertórios político-culturais que estiveram presentes em 2018 e 2020. Confina a interpretação dos resultados eleitorais mais a partir do passado do que do presente, que apontam as mudanças no cenário político.

Essa leitura reforça a narrativa que o resultado dessas eleições se deu face ao candidato de “esquerda” ter perdido na periferia – ou, ainda pior, culpa uma suposta falta de consciência de classe dos periféricos e periféricas ao votar. Como se a força política dos trabalhadores – que foi fundamental no crescimento do PT na cidade – simplesmente tivesse se esvaído e como se nenhum outro movimento sociopolítico e cultural tivesse emergido ali.

As movimentações culturais das periferias, um dos pilares da coalizão Boulos na cidade, por exemplo, desaparecem na narrativa retratada nessa representação cartográfica, como também nos apontamentos sobre uma desidratação do PT nos territórios. Assim como desaparece a força do movimento antirracista, fortemente enraizado em vários bairros periféricos a partir de onde  redesenham o movimento negro e sua inserção territorial.

Esta leitura também é incapaz de apontar as transformações do espaço ocupado pela população que concentrava a renda e o poder na cidade, no chamado “vetor Centro Sudoeste”, e que hoje se expande a Leste, Norte e Sul. Ao comentar o resultado do voto no primeiro turno apontamos alguns elementos presentes nesta diversidade.

Embora a escala das zonas eleitorais leve a uma compreensão equivocada da dinâmica eleitoral – quem vota são as pessoas e não os territórios –, mesmo a partir dela é possível  contrapor a leitura apontada acima. O mapa abaixo mostra a diferença dos percentuais de votos em Guilherme Boulos e Fernando Haddad por zona eleitoral, já que em votos totais esta comparação não é possível dada a queda dos votos válidos em todas as zonas e para os dois candidatos. Isso se explica pela altíssima abstenção, que somada aos brancos e nulos chegou a quase 40% dos eleitores da cidade. Neste mapa vemos como as variações do voto entre 2018 e 2020 não acontece de forma homogênea, mas tem uma lógica espacial.

Boulos teve um desempenho melhor nas zonas da região chamada Leste 1, primeiro anel de bairros autoconstruidos na Zona Leste, local onde houve grande mobilização de coletivos culturais e de atuação histórica de Luiza Erundina. Chama a atenção também o Campo Limpo, não apenas o bairro de residência de Boulos, mas a área de forte atuação do MTST – Movimento de Trabalhadores Sem Teto, no qual o candidato do PSOL é uma liderança.

Na região Sul ocorre o contrário: liderança expressiva do candidato do PSDB. O que pode ser explicado pelas alianças que Covas estabeleceu com lideranças políticas ligadas ao Centrão – aliás, grande vitorioso desta eleição no cenário nacional – que, com tecnologias da distribuição de benefícios individuais e  territorializados (de vagas em creches e hospitais, cestas básicas, patrocínio de times de futebol de várzea, promoção de loteamentos e pequenas infraestruturas), “entrega” de forma seletiva há décadas o que as políticas públicas em sua pretensa universalidade nunca garantiram. Foi esta velha política com toda sua tecnologia eleitoral, aliada a um voto mais ideológico do “centro rico”, que garantiu a vitória a Covas.

Elaboração: Pedro Mendonça/LabCidade FAU-USP

Já os mapas a seguir mostram o crescimento de Covas e Boulos na comparação entre o primeiro e o segundo turno.

Elaboração: Pedro Mendonça/LabCidade FAU-USP

Elaboração: Pedro Mendonça/LabCidade FAU-USP

A leitura dos mapas acima revela que o crescimento entre o primeiro e o segundo turno de Boulos e de Covas ocorreu na cidade toda, ainda que não de forma linear. Nas periferias Noroeste, extremo Leste e algumas regiões da Zona Sul os votos para Boulos quase triplicaram, revelando uma penetração da candidatura nestas regiões. Já para Covas o maior crescimento se deu na região onde emergiu e se instalou uma nova classe média e alta na cidade, como o bairro do Tatuapé na Zona Leste, mas também na periferia Nordeste. Em apenas uma zona eleitoral – Itaim Paulista – os dois candidatos coincidem em seu maior intervalo de crescimento.

Ao trazer estes elementos para o debate, queremos reforçar a hipótese de que não tem nada de estático ou paralisado no cenário político paulistano. Esta foi uma eleição diferente das anteriores, não apenas pela grande abstenção – que aliás vem crescendo eleição a eleição – mas também pela presença de uma candidatura que, sem máquina, dinheiro nem marqueteiro milagroso, conseguiu agregar o novo na política paulistana com o legado de uma trajetória de esquerda enraizada em vários bairros da periferia da cidade.

Ainda que parte dos eleitores baseie seu voto na informação ou desinformação oriunda da TV, Internet e WhatsApp, ou que o chamado voto “ideológico” possa ainda ter um peso em certos setores, a experiência vivida na cidade é decisiva também. Ela pode ser medida através do contato real do eleitor com investimentos ou benefícios obtidos através de eleitos ou seus operadores territoriais, mas pode ser também mediada por outras gramáticas de luta e de sobrevivência. Por isso, para compreender o presente é preciso analisar a geografia dos votos para além de sua historicidade e das categorias que esta construiu (centro/periferia; direita/esquerda), construindo novas cartografias.

*Graduando na FAU-USP e pesquisador do LabCidade; Doutorando na UFABC e pesquisador do LabCidade; Professora da FAU-USP e coordenadora do LabCidade; Mestranda na FAU-USP e pesquisadora do LabCidade; Professora da FAU-USP e coordenadora do LabCidade. Texto também publicado no site do LabCidade

]]>
0
Aprofundando a geografia eleitoral: o voto no primeiro turno em São Paulo http://raquelrolnik.blogosfera.uol.com.br/2020/11/20/aprofundando-a-geografia-eleitoral-o-voto-no-primeiro-turno-em-sao-paulo/ http://raquelrolnik.blogosfera.uol.com.br/2020/11/20/aprofundando-a-geografia-eleitoral-o-voto-no-primeiro-turno-em-sao-paulo/#respond Fri, 20 Nov 2020 16:52:35 +0000 http://raquelrolnik.blogosfera.uol.com.br/?p=1226 *Por Aluízio Marino, Paula Santoro, Pedro Mendonça e Raquel Rolnik

Logo após o término da votação do primeiro turno das eleições municipais, passaram a circular mapas produzidos por veículos de mídia que mostravam a totalização dos votos por zonas eleitorais. Na capital paulista, esses mapas apontam a vitória do candidato Bruno Covas (PSDB) em toda a cidade, representada por um grande mapa azul. Entretanto, esta representação cartográfica das eleições conduz a uma leitura simplificadora dos resultados, que ignora nuances importantes sobre como se dá a territorialização do voto — não apenas em São Paulo e no Brasil, vide o exemplo das eleições estadunidenses que discutimos em post anterior. Para complexificar essa geografia dos votos e se aproximar da realidade eleitoral paulistana, é necessário explorar outras escalas e simbolizações que representem de forma mais detalhada o voto, que é dos cidadãos e não de porções do território. Aqui, a partir dos dados oficiais fornecidos pelo Tribunal Superior Eleitoral, produzimos uma série de mapas na escala mais próxima possível dos locais de votação procurando aprofundar alguns temas.

Um dos fenômenos apontados pela imprensa nesta eleição foi a grande quantidade de abstenções, ou seja, de eleitores que não foram votar no dia 15/11. No caso de São Paulo este número chega a 29,3%. Se considerarmos também os votos brancos e nulos nesta análise, 40% do total de eleitores habilitados ou não foram votar ou não escolheram um candidato, o que deixa as possibilidades do segundo turno em aberto.

Historicamente, as eleições para prefeito e vereador contam com um alto percentual de abstenção, o que confirma a  hipótese de que este número aumentaria em uma eleição no meio da pandemia de Covid-19.  O que não foi explorado ainda é se existe uma lógica territorial nessas abstenções.  Os mapas abaixo mostram a variação do percentual de abstenções (dentre os eleitores aptos) e votos brancos e nulos (dentre os votos totais) entre as eleições de 2018 e 2020, para os pleitos de Presidência da República e Prefeitura respectivamente.

Elaboração: Pedro Mendonça/LabCidade

Elaboração: Pedro Mendonça/LabCidade

Observamos um crescimento maior das abstenções no centro expandido, o que corresponde também aos locais onde as pessoas tinham mais possibilidade de aderir ao isolamento social e ao teletrabalho. Essa nova rotina de cuidado, realidade de uma porção da cidade, combinada a um maior percentual de eleitores idosos nesta região, pode ter influenciado a decisão de não sair de casa para votar. Já sobre o mapa dos votos brancos e nulos (inválidos), vemos um crescimento maior nas bordas do centro, mais especificamente nas regiões da Vila Prudente, Mooca, Tatuapé, Vila Maria e Santana, dado que brancos e nulos já marcam a paisagem eleitoral das extremas periferias há várias eleições. A adesão ao voto branco e nulo não corresponde ao local de maiores abstenções, indicando que tratam-se de opções políticas bastante distintas.

Em relação aos resultados eleitorais para prefeito da capital, ainda que Covas tenha tido uma votação expressiva de forma dispersa por toda a cidade, obteve votos de forma mais concentrada no centro consolidado e numa mancha, presente já há algumas eleições, que ultrapassa as marginais e o Vale do Tamanduateí  e se expande para antigas áreas populares nas Zona Norte e Sul e Leste, regiões que ascenderam economicamente e hoje abrigam uma nova classe média e alta.  Nas periferias mais extremas Covas teve proporção de votos menor, vencendo com margens menores em relação ao 2º e 3º colocados.

Elaboração: Pedro Mendonça/LabCidade

Uma lupa sobre o mapa do voto em Bruno Covas mostra que este venceu em todas as zonas eleitorais — como apareceu no mapa todo azul divulgado na imprensa. Mas, mergulhando nos dados por seção, observamos que ele na verdade não ganhou em todos os locais de votação. O mapa interativo mostra como se deu a votação por colégio eleitoral, revelando situações de quase empate e, inclusive, situações de vitória de outros candidatos. 

Elaboração: Pedro Mendonça/LabCidade

As gradações também permitem sair de uma narrativa política clássica que marcou a cidade, a de que, supostamente, o centro consolidado rico votaria no PSDB e a periferia no PT. Contra esta narrativa, a virada da periferia seria a novidade da eleição desde 2018. Essa separação é enganosa: há uma região que tem se consolidado em pleno centro expandido, nas regiões do espigão (Lapa, Perdizes, Paulista, Vila Mariana) e no eixo da Av. Rebouças, com votação expressiva em Boulos (PSOL), e onde também se concentraram os votos em Ciro Gomes (PDT) na eleição de 2018

Elaboração: Pedro Mendonça/LabCidade

Por outro lado, há uma divisão no próprio voto à direita. Embora persista uma mancha mais concentrada do voto conservador no chamado centro consolidado, este espaço também passou a ser disputado com uma “nova direita”, representada nestas eleições por Arthur do Val Mamãe Falei (Patriotas) e Joice Hasselmann (PSL), e que coincide também  com as regiões onde houve maior crescimento dos votos brancos e nulos. 

Por fim, a “periferia” também é mais complexa: é em setores da periferia que Russomanno (Republicanos) teve seus maiores percentuais. E é também em (outros) setores da periferia que Tatto foi o segundo colocado, e onde também Boulos teve votação muito expressiva, como Campo Limpo e Capão Redondo.

Veja abaixo os mapas dos candidatos com votação expressiva (>5% dos votos válidos) e confira aqui o mapa interativo dos locais de votação, com totais de cada candidatura à prefeitura.

* Doutorando na UFABC, pesquisador do LabCidade; Professora da FAU-USP, coordenadora do LabCidade; Graduando na FAU-USP, pesquisador do LabCidade; Professora na FAU-USP, coordenadora do LabCidade. Texto originalmente publicado no site do LabCidade FAU-USP

]]>
0
Marina Harkot vive! http://raquelrolnik.blogosfera.uol.com.br/2020/11/19/marina-harkot-vive/ http://raquelrolnik.blogosfera.uol.com.br/2020/11/19/marina-harkot-vive/#respond Thu, 19 Nov 2020 13:51:23 +0000 http://raquelrolnik.blogosfera.uol.com.br/?p=1202

Fotos: Reprodução/ Instagram @projetemos


*Este texto foi originalmente publicado pelo LabCidade em seu site.

Marina Kohler Harkot morreu atropelada na madrugada de sábado para domingo (8/11), por volta de meia-noite. Ela andava em sua bicicleta na avenida Paulo VI, na região do Sumaré, zona Oeste de São Paulo, quando foi brutalmente atropelada por um carro dirigido por José Maria da Costa Júnior, que não parou para prestar socorro. Marina era socióloga formada pela USP, mestra e doutoranda em Planejamento Urbano na FAU USP, e pesquisadora do LabCidade. Tinha 28 anos. Nesse post, originalmente publicado como uma newsletter especial do LabCidade, queremos falar um pouco sobre seu legado nas pesquisas de mobilidade, gênero e interseccionalidade a partir dos diversos trabalhos que ela vinha fazendo como ativista e pesquisadora.

Quase 14 mil ciclistas morreram no trânsito brasileiro na última década, 60% dessas mortes por atropelamento — dados do SUS levantados pela Associação Brasileira de Medicina de Tráfego. Já na cidade de São Paulo, só de janeiro a setembro deste ano, 24 ciclistas morreram atropelados por carros. Apesar de serem comumente jogadas na conta dos “acidentes de trânsito”, todas essas mortes não têm nada de acidentais, e tampouco são só uma questão individual ou privada. Elas não estão descoladas das políticas públicas.

A responsabilidade pelo atropelamento nunca será somente do motorista que materializou a interrupção de uma vida: a cidade e o trânsito que matam são uma escolha política, e Marina Harkot sabia disso muito bem — era contra uma lógica de justiça baseada no punitivismo, tão reducionista e despolitizada que encobre as causas do que diz combater. Para tornar a cidade segura é preciso abandonar a aceleração insaciável: estudos citados em relatório de 2018 da OMS apontam que a cada 1% de aumento na velocidade permitida para a circulação de carros, o risco de ocorrerem acidentes fatais sobe em 4%, enquanto uma redução de 5% na média de velocidade pode diminuir o número de mortes em 30%. A política do Acelera SP de João Doria, por exemplo, foi responsável por reverter a queda no número de mortes no trânsito que a gestão Haddad havia conseguido alcançar diminuindo limites de velocidade. Para além do carro e de seu condutor, foi uma escolha política (carrocêntrica e hostil a pedestres, bicicletas e mulheres), uma escolha política que Marina viveu para combater e que a matou. Matou Marina, que queria nossas cidades feitas para nós — espaços construídos para as pessoas, e não para os carros.

Marina sabia que a cidade não é igual para todas as pessoas, por isso defendia a educação como instrumento de superação das relações de opressão estruturais (de classe, patriarcais, racistas, de gênero e sexualidade, patrimonialistas) que estruturaram também nossas cidades. A pesquisadora defendia um olhar sensível às desigualdades sócio-urbanas. Ela nos ensina que a cidade precisa se tornar um espaço compartilhado entre diversos grupos sociais, gêneros, e modais de transporte. Por isso, não se trata de construir ciclovias: elas são importantes, mas a questão de base é a urgência (vital) de se criar uma cultura de compartilhamento da cidade.

A São Paulo carrocêntrica, a São Paulo que segrega poucos ciclistas às suas escassas faixas e os mata, é uma escolha. Nossas cidades não deveriam ser lugar onde se morre debaixo de 4 pneus cantando em alta velocidade. Marina vivia o que pesquisava, pedalava porque sabia que lugar de bicicleta é na rua, e que todo mundo tem direito a pedalar. Sua morte, que aconteceu justamente no Dia Mundial do Urbanismo, deve se tornar movimento e nos incendiar na luta por cidades mais gentis, mais humanas, menos aceleradas e não violentas.

Recomendamos aqui alguns textos sobre Marina, seu trabalho e sua morte. São eles:

  • Sorridente e brilhante, Marina Harkot foi vítima dos problemas que denunciava, perfil de Marina publicado no jornal Estadão, com entrevista das coordenadoras do LabCidade Paula Freire Santoro e Raquel Rolnik.
  • “A Marina estava onde devia estar, na rua e no caminho escolhido por ela.” Paula Freire Santoro, que também foi orientadora e amiga de Marina, faz uma bela homenagem a ela no programa Meia Hora com o BrCidades.
  • No 30º episódio do programa A Cidade é Nossa, Raquel Rolnik lembra o Dia Mundial do Urbanismo e todo o contexto político por trás da morte de Marina e de milhares de outros ciclistas (disponível em formato de vídeo e podcast).
  • Leticia Lindenberg Lemos, (assim como Marina) ex-pesquisadora do LabCidade e membra da Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo (Ciclocidade), amiga de Marina, escreve para o LabCidade o texto Pedale como Marina! Andar de bicicleta é uma decisão política, e é entrevistada pela revista Marie Claire na matéria Por que falar do legado de Marina Harkot é tão urgente quanto falar de sua morte.
  • Por uma cidade onde mulheres sempre possam pedalar, artigo de Cecília Garcia no Pensar a Cidade (UOL), fala da relação de Marina com o cicloativismo, a importância desse cicloativismo para a vida das mulheres na cidade, e da dissertação de mestrado de Marina.
  • “Ela foi atropelada por trás”, diz urbanista da USP, matéria do jornal Época, com entrevista de Paula Freire Santoro.

 

Marina, desde pequena de bicicleta | Foto: Arquivo pessoal

 

A experiência de viver a cidade das mulheres

Já no mestrado em 2016, com bolsa Capes, Marina sistematizou quase tudo o que já tinha sido publicado sobre gênero e mobilidade ativa por bicicleta num capítulo de sua dissertação. Ela conclui que as mulheres têm menor mobilidade (são mais imóveis), especialmente se olhamos para os modos motorizados individuais — carro e moto. São passageiras de automóvel ou usuárias de táxi. Têm viagens mais curtas em tempo e em distância e viajam mais a pé e de transporte público. Desde 1987, há uma proporção de viagens femininas maior nos deslocamentos a pé e uma supremacia masculina nas viagens com bicicleta, com uma tendência de aumento do número de mulheres a andar sobre as duas rodas. Traz autoras como Haydée Svab, que mostrou que a categoria “mulheres” não é homogênea e que os padrões de mobilidade são impactados por outras questões além do gênero, como modo de viagem, situação familiar, grau de instrução, faixa de renda familiar, quantidade e idade dos filhos das mulheres. Não estávamos sozinhas.

Um primeiro “filhote” deste mestrado foi trabalhado num texto acadêmico, desenvolvido a convite dos organizadores de um dossiê especial Revista Transporte y Território, que pergunta: Mulheres, por que não pedalam? Outros artigos “filhotes” de sua dissertação mergulham sobre como as mulheres usam a cidade e como a cidade foi conquistada pelas mulheres.

A partir de entrevistas qualitativas, sua pesquisa de mestrado apontou as subjetividades que impactam no uso da bicicleta como modo – que envolvem uma relação com a cidade e suas adversidades, sensação de segurança, seu cotidiano, ser mãe e número de filhos, hábitos, dimensões afetivas, culturais, prática de esportes e relação com o corpo.

Sua pesquisa revela que, para as mulheres, é muito mais complexo dar o passo inicial para usar a bicicleta. Sua dimensão corporal, da prática de atividades físicas, ou ainda, das brincadeiras de rua e do “se arriscar”, não são incentivadas (pelo contrário, são desincentivadas) desde a infância, algo diretamente ligado à socialização feminina e à domesticidade.

A baixa presença de mulheres que pedalam e a ausência de grupos e/ou políticas públicas que as incentivem diretamente, seja através de campanhas de comunicação, seja através de redes de solidariedade, também é uma questão que parece ter influência. Como apontam as discussões sobre representatividade, o poder do exemplo não é desprezível, e os efeitos de “se reconhecer” em meio aos ciclistas são importantes.

Ainda, como São Paulo definitivamente não é uma cidade amigável para o uso da bicicleta, romper a barreira do gênero parece ser um desafio que complexifica ainda mais para que mulheres pedalem. Ciclistas de ambos gêneros percebem o trânsito como sendo perigoso e como o principal ponto negativo no uso da bicicleta na cidade – especialmente se estão acompanhados de crianças, o que é mais comum entre as mulheres, geralmente as cuidadoras nos arranjos familiares. Entretanto, as ciclistas entrevistadas apontam sentir um tipo de medo que está muito mais relacionado à violência de gênero do que à violência de trânsito, e que não é considerado no desenho de políticas de ciclomobilidade: como o medo de passar por determinados locais e em horários específicos (normalmente, à noite). A dissertação de Marina Harkot está disponível na íntegra aqui.

Marina Harkot falando no Seminário Cidade, Gênero e Interseccionalidades. Foto: LabCidade


Por que é preciso pautar a política, o ativismo, a construção coletiva

Seu mestrado também revisita políticas que podem ser implantadas e que vão na direção da normalização e popularização do uso da bicicleta, recorrendo a estratégias que ultrapassam o desenho e implantação de ciclovias e ciclofaixas – importantíssimas, especialmente, para promover uma mudança de imaginário coletiva sobre o espaço dos ciclistas na cidade, mas que definitivamente não são a única solução.

O real incentivo à intermodalidade apontado por ela envolve a instalação de bicicletários que tenham horários de funcionamento e capacidade adequada em estações e equipamentos públicos; zonas de tráfego acalmado intra-bairro; infraestrutura cicloviária que considere em seu desenho dimensões de segurança pública, escolhendo rotas que passem por ruas iluminadas, com atividade comercial que funcione no período noturno e sem pontos cegos; políticas de educação e comunicação, com incentivo ao uso da bicicleta desde a infância e campanhas de comunicação que tenham como público-alvo as mulheres – e não o intrépido ciclista com roupas esportivas, ou o executivo de terno que vai de bicicleta até o trabalho. Marina abre um horizonte de possibilidades para incentivar o uso da bicicleta em grandes cidades e, sobretudo, entre grupos sub representados como as mulheres. Se quisermos mudar este cenário, há de se pensar para além de soluções simplistas.

O acompanhamento da política urbana e de mobilidade permeou vários de seus textos, que criticavam a proposta de Plano Cicloviário de São Paulo, o compartilhamento de bicicletas amarelas restrito a uma área da cidade, ou mesmo análises sobre os primeiros resultados da Pesquisa Origem e Destino de 2017 .

Seus trabalhos sobre mobilidade e enfoque em gênero não se restringiram à mobilidade por bicicleta, mas também à pé, vide artigo com Mateus Humberto Andrade e Mariana Gianotti, que sintetizamos neste post em nosso site e que terminou nos aproximando do Victor Andrade e Clarisse Cunha Linke, organizadores do livro e do LabMob do Rio de Janeiro. Victor segue um interlocutor do LabCidade, foi banca no mestrado em Planejamento Urbano e Regional na FAU-USP de Marina.

Foto: Arquivo pessoal de Marina.


A incorporação de uma abordagem interseccional em pesquisa internacional Segurança na Mobilidade dos estudantes com enfoque em gênero

Em 2018, Paula Santoro, Marina Harkot e Letícia Lemos coordenaram a aplicação da pesquisa sobre a segurança na mobilidade dos estudantes com enfoque em gênero, aplicada para a Região Metropolitana de São Paulo. Para saber sobre a pesquisa, um resumo do caso de São Paulo está em Santoro & Harkot (2020), um artigo em inglês apresentado no Seminário Crime and Fear in Public Spaces em 2018, e este texto em nosso site sobre o processo de feitura da pesquisa. Uma versão em espanhol está aprovada para uma publicação de artigos selecionados apresentados no Tercer Congreso Internacional sobre Género y Espacio na UNAM, no México, onde Marina apresentou o trabalho.

A nova pesquisa deu continuidade ao que sinalizava sua investigação de mestrado. Mostrou que, se a violência patrimonial é a que atinge tanto homens quanto mulheres, a violência de gênero restringe a mobilidade das mulheres e a sua liberdade, exigindo escolhas: evitar certos pontos de ônibus/linhas, não utilizar o transporte em certos horários, pensar na roupa a vestir e, até mesmo, onde se sentar dentro do ônibus.

Gênero não foi a única variável identificada que influencia na ocorrência e na frequência da violência vivenciada, mas também a localização da instituição e a cor/raça autodeclarada. Mulheres negras, pardas e indígenas que frequentam instituições consideradas “periféricas” são mais vítimas de crime de assédio sexual: 81,3% delas foram vítimas, enquanto entre as brancas das mesmas instituições foram 55,6%.

E aí já tínhamos caminhado para procurar como incorporar abordagens interseccionais nos estudos urbanos. Um primeiro resultado é que fomos convidadas (Paula e Marina) para escrever um capítulo de um livro que cruzava informações obtidas em vários países da pesquisa, com abordagem interseccional. O resultado foi  este capítulo, em inglês, do livro Transit Crime and Sexual Violence in Cities, organizado pelas professoras Vânia Ceccato (KTH Estocolmo, Suécia) e Anastasia Loukaitou-Sideris (UCLA Los Angeles, EUA), publicado neste ano de 2020.

A agenda de pesquisa trazida pelo Seminário Cidade, Gênero e Interseccionalidades

 

Em janeiro de 2019 organizamos o Seminário Cidade, Gênero e Interseccionalidades no Centro de Pesquisa e Formação do SESC, trazendo referências acadêmicas para esta linha de estudos do LabCidade (veja todos os posts relacionados ao assunto). Nele foi apresentada uma agenda de pesquisa nestes temas, organizada em várias mesas com convidadas. O material virou um conjunto de podcasts que deu um grande trabalho de edição, feito pela Marina Harkot e Larissa Lacerda.

Marina coordenou mesa, mas também apresentou pesquisas em torno do seu tema de mestrado, que podem ser ouvidos, na voz dela mesma, aqui.

Inicialmente mergulhamos no conceito de gênero, nos textos clássicos, e encontramos novas autoras. Paula Soto Villagrán, professora no México convidada para o Seminário do SESC, nos trouxe a ideia da experiência da mobilidade. Marina desenvolve esta ideia teórica dizendo que os espaços podem ter significados específicos para quem vive a experiência de se mover, a partir da cultura, conhecimento do trajeto, experiência prévia, constância da utilização de um determinado modo e conhecimento da operação do modo. Quando se estuda a mobilidade com abordagem de gênero ou interseccional, a sensação de segurança e a experiência de ter sofrido violências e opressões pode ser determinante na escolha de onde ir, com qual modal, a que horas, moldando o comportamento dos corpos que sofrem estas opressões.

Depois do SESC ministramos cursos curtos em outros lugares; Marina deu cursos na Escola da Cidade, em São Paulo, e aulas em um curso chamado “Vem por Aqui“, do escritório Bloco B, de Florianópolis.

Foto: Cidade Ativa.

Disciplina compartilhada na graduação da FAUUSP

No segundo semestre de 2019, ressoando o seminário do início do ano, organizamos e oferecemos a disciplina “Cidade, gênero e interseccionalidades: conceitos, teorias e práticas” no curso de ghttp://www.labcidade.fau.usp.br/marina-harkot-vive/raduação em Arquitetura e Urbanismo, da FAU USP. Foi um curso concebido e organizado de forma coletiva, encabeçado pela professora Paula Santoro, junto à Marina Harkot, Larissa Lacerda, Gabriela Tamari, Artur de Souza Duarte e Isabela Leite. O curso teve como objetivo subsidiar uma reflexão crítica acerca de formas de planejamento, introduzindo conceitos, teorias, políticas e práticas no campo do planejamento urbano que incorporam gênero, entre outros marcadores sociais da diferença, como categoria de análise do território e base para a atividade planejadora. As discussões se basearam nas leituras de textos acadêmicos, podcasts, vídeos e trocas de experiências, em uma experimentação epistemológica e política que nosso grupo vem ensaiando – em muito, estimuladas pela Marina.

Com o objetivo de apresentar e discutir os múltiplos temas e abordagens possíveis no interior do grande campo dos estudos de gênero, convidamos pesquisadoras de diferentes áreas e lugares, enriquecendo ainda mais os debates em sala. Assim, dividimos a sala de aula com Jacqueline Moraes Teixeira, professora da Faculdade de Educação da USP e pesquisadora do NAU e do NUMAS, da USP, e do CEBRAP; Gabriela Leandro Pereira, a Gaia, professora da Faculdade de Arquitetura da UFBA e pesquisadora do Lugar Comum, no qual coordena o Grupo de Estudos Corpo, Discurso e Território; Ana Castro, professora da FAU USP e pesquisadora do Outros — laboratório para outros urbanismos — e do Grupo de Pesquisa Cultura, Arquitetura e Cidade na América Latina; Ana Barone, também professora da FAU USP e pesquisadora do LabRaça; Beatriz Sanchez, doutorando em Ciência Política na USP e pesquisadora do Grupo de Estudos de Gênero e Política da USP e do CEBRAP; Poliana Monteiro, doutoranda em Arquitetura e Urbanismo na UFF e pesquisadora do GPDU UFF; Luciana Itikawa, professora da FMU/FIAM e pesquisadora da WIEGO (Women in Informal Employment Globalizing and Organizing) e, por fim, Fernanda Furlan de Souza e Mariana Duran Meletti, graduandas da POLI USP.

Além das aulas regulares, também organizamos aulas abertas, com o objetivo de ampliar as discussões da sala de aula para um público mais amplo.

“Feminismos, luta e representação política” abordou a multiplicidade das mulheres e dos feminismos, convidando Carol Ricca Lee, da Plataforma Lótus; Isabela Sena, da Bibliopreta; Moara Brasil, da M.A.R e @colabirinto; Magô Tonhon, da @mulherestrans; Sarah Roure, da Marcha Mundial das Mulheres;e  Tabata Tesser, das Católicas Pelo Direito de Decidir.

“Masculinidades possíveis”, abordou o tema das masculinidades com a apresentação do filme “O silêncio dos homens” e debate com Antonio Carlos Barossi, professor da FAU USP; Ismael dos Anjos, diretor da pesquisa que deu origem ao filme; José Lira, professor da FAU USP; e Leonardo Foletto, do LabCidade FAU-USP e do BaixaCultura.

Também levamos a disciplina para a rua! Duas aulas abertas foram organizadas fora da universidade.

Para discutir as territorialidades LGBTQ+, a Casa 1 – Centro de Cultura e Acolhimento LGBT, localizada no bairro da Bela Vista, região central da cidade, foi nossa sala de aula. Para nos introduzir ao tema, contamos com a presença de Remom Bertolozzi, membro do Acervo Bajubá, uma iniciativa comunitária de salvaguarda e pesquisa da memória e cultura LGBT brasileira.

Com o olhar voltado para os territórios da prostituição – tema que, mais tarde, se tornaria o objeto de doutorado da Marina – organizamos uma aula que teve um primeiro momento na Casa do Povo, localizada no bairro do Bom Retiro, onde contamos com a exposição de Sarah Feldman, professora do IAU USP, sobre os territórios da prostituição na São Paulo. Dali, partimos para as ruas da região, guiadas por Paula Janovitch, pesquisadora do coletivo PISA: cidade + pesquisa, que, caminhando pelas ruas, rememora toda a história da Zona do Meretrício no Bom Retiro, um espaço de confinamento das prostitutas, criado pelo governo nos anos 1940.

Foto: Paula Santoro, 2019

Olhando agora, com um certo distanciamento no tempo, percebemos a potência que foi essa disciplina: diversa, realizada a muitas mãos, abrindo espaços, buscando outras vozes, outras falas, extrapolando os muros da universidade e indo produzir e transmitir conhecimento nas ruas, de forma aberta. É nessa universidade – aberta, diversa e inquieta – que a Marina apostava, e essa disciplina, nesse formato, foi uma das expressões de sua forma de pensar e construir, sempre de modo tão generoso com seus colegas.

Interseccionalidades como forma de abordagem

Estávamos felizes porque o último artigo que fizemos no LabCidade, um artigo coletivo dentro de uma publicação sobre o Observatório das Remoções, trouxe a interseccionalidade como ferramenta epistemológica e política para olhar as remoções e os processos de despossessão aos quais ela está atrelada. Foi uma abordagem mais próxima da que idealizávamos mas não havíamos conseguido desenvolver na pesquisa internacional sobre mobilidade dos estudantes já mencionada aqui.

Perguntamos no artigo: o que significa pensar a remoção e suas consequências a partir da narrativa de mulheres que enfrentam esses processos? Nossa aposta era que, ao recuperar as narrativas e reflexões de mulheres que sofreram ameaça ou remoção, seria possível iluminar dimensões do processo despercebidas ou encobertas pelas análises gerais do fenômeno. Faltam dados oficiais sobre as remoções, mas, também e especialmente, sobre quem é removido, o que nos impede de compreender suas consequências para os diferentes grupos de pessoas afetadas.

Mas não paramos por aí: fizemos do artigo um exercício teórico-político. No percurso da escrita, buscamos construir uma ferramenta epistêmica que nos permitisse (re)compreender a remoção pelas experiências de diferentes mulheres, ou seja, não se tratava apenas da constatação do efeito diferencial da remoção sobre os corpos, mas de um entendimento alargado sobre o próprio processo como mais uma dimensão da acumulação por despossessão em suas formas contemporâneas. Para alcançar esse objetivo, nos apoiamos em teóricas feministas interseccionais, entendendo a interseccionalidade como um campo amplo, em constante refazimento e disputas, mas que, necessariamente, impõe uma abordagem racial dos processos, relacionada às demais estruturas de opressão que organizam a sociedade.

Como método, e para a composição do texto, procuramos revisitar e justapor fragmentos de falas coletadas e de territórios populares visitados e vividos em imersões por meio de pesquisas do Laboratório e de parceiros, bem como visitas no tempo, que nos colocaram em contato com outras falas e territórios populares através da literatura – como os relatos da vida na Favela do Canindé contidos nos livros “Quarto de Despejo”, de Carolina Maria de Jesus e “Becos da Memória”, de Conceição Evaristo.

O artigo se dividiu em três eixos principais, todos transpassados pelo diálogo constante com as experiências e relatos de campo e com as narrativas literárias. O primeiro deles propôs um diálogo com a literatura feminista que compreende os processos de remoção como mais um dentre processos de despossessões estruturais, com enraizamento colonial, e que assume novos contornos ao longo do tempo – no artigo, exploramos a ‘dívida’ como uma de suas manifestações contemporâneas.

Marina se envolveu na organização destes fragmentos e nos eixos de diálogo com a literatura, e, especialmente, desenvolveu o segundo deles, que procurou compreender o processo de remoção como violência, não exclusivamente infligida no ato de remover, mas como parte de violências cotidianas, lentas, que incidem sobre esses corpos, com características de trauma coletivo.

Fechamos o texto apresentando fragmentos que ajudam a compreender os processos de remoção como processo em torno do qual as assembleias formadas catalisam a potência transformadora inscrita na conflitualidade e contraditoriedade mesmo desses processos, encerrando com este terceiro eixo de análise.

A publicação na íntegra pode ser lida aqui.

Foto: Débora Ungaretti


O medo moldando comportamentos e os territórios construídos a partir de subjetividades 

A finalização do mestrado, a pesquisa segurança na mobilidade, os debates junto ao grupo Cidade, Gênero e Interseccionalidades e os cursos que ministramos, a levaram para outras direções de pesquisa e atuação. Inicialmente queria construir uma tese de que o medo, substantivo feminino, moldava os comportamentos das mulheres na cidade. Ironicamente, o debate público sobre sua morte deu-se em torno de seu comportamento – se estava dentro ou fora da ciclovia, a motivação de ter saído à noite. Marina estava onde devia estar e escolheu seu caminho, da mesma forma que as mulheres escolhem, muitas vezes pautadas pelo medo.

Inicialmente olhava para as mulheres, para estender para todos nós, a leitura de que nos encerramos voluntariamente em casa, condomínios ou até bairros inteiros murados que nos protegem dos perigos do “lado de fora” amedrontador, que pode ou não estar baseado em dados reais de vitimização. Ora grupos se restringem a circular por territórios construídos por subjetividades que permitem que as expressões identitárias, de cultura, de reconhecimento possam acontecer – como os territórios LGBTQI+, que podem ser considerados como segregados pela sociedade, mas também como auto-segregados. Ora políticas ou regulações públicas, como os zoneamentos morais, bem como ações de repressão do Estado, como as ações policiais, terminam segregando determinados grupos em enclaves criminalizados. E a tese de doutorado trabalhava esta hipótese, de que muitos territórios – que podem inclusive ser “demarcáveis” como já vínhamos trabalhando em aulas e textos -, são construídos a partir de subjetividades.

A interlocução com Diana Helene, como parte de seu estudo sobre territórios da prostituição e zonas morais, vira um podcast no qual Marina Harkot é entrevistadora, e Diana Helene explica as ideias tratadas no seu livro “Mulheres, direito à cidade e estigmas de gênero: a segregação urbana da prostituição em Campinas”, que saiu em 2019 pela editora AnnaBlume.

Por fim, gostaríamos também de convidar a todas/todos para uma defesa-homenagem da FAU USP e da USP à Marina, a ser agendada ainda em 2020, como uma forma de reconhecimento por sua trajetória acadêmica, para que suas ideias sigam no ativismo, mas também nos campos de pesquisa onde transitava.

Foto: Vanessa Ferrari, 2020

Velório de Marina, homenagens. Foto: Marília Hildebrand.

]]>
0
Leituras do voto estadunidense: a escala importa! http://raquelrolnik.blogosfera.uol.com.br/2020/11/05/leituras-do-voto-estadunidense-a-escala-importa/ http://raquelrolnik.blogosfera.uol.com.br/2020/11/05/leituras-do-voto-estadunidense-a-escala-importa/#respond Thu, 05 Nov 2020 18:38:45 +0000 http://raquelrolnik.blogosfera.uol.com.br/?p=1185

Área de superfície dos condados dos EUA e sua população associada x votos Republicanos ou Democratas nas eleições de 2016. Fonte: @karim_douieb

Por Aluízio Marino* e Raquel Rolnik

A escolha da escala é uma das técnicas mais importantes para a produção dos mapas. Determinadas questões só podem ser verificadas em determinadas escalas. A escala sempre importa, e quando falamos de dinâmicas sociopolíticas a leitura de um mesmo fenômeno pode ser radicalmente alterada a partir da escala que se utiliza. É importante saber que a escolha de escala não é trivial nem descompromissada: para além de uma dimensão quantitativa, relacionada ao tamanho do território, existe também uma dimensão qualitativa e estratégica em sua definição.

Um bom exemplo são os mapas de eleições. O LabCidade já fez uma análise multiescalar das eleições presidenciais no Brasil em 2018, evidenciando que os mapas dos votos em escala regional simplificaram a diversidade e às desigualdades dentro das regiões e, pior, incentivaram uma falsa narrativa de que a eleição de Bolsonaro seria resultado de uma polarização: nordeste versus o resto do Brasil.

Certas escolhas de escala para a leitura destas eleições estadunidenses também podem simplificar as disputas e conflitos internos de um país dividido, assim como ocorreu no Brasil. A escala dos Estados é a usualmente empregada na geografia eleitoral dos EUA, por ser esta a unidade política decisiva na contabilidade eleitoral — quem obtém a maioria dos votos de um Estado leva todos os seus delegados para o Colégio Eleitoral. O problema é que, para além do pragmatismo do critério adotado, esta escala apresenta uma leitura simplista e categórica do Sul e do Meio-Oeste como territórios dos republicanos, e as costas nordeste e oeste do país (com o chamado “cinturão da ferrugem”) como territórios dos democratas.

Mapa das eleições presidenciais norte americanas por Estados (2020). Fonte: Associated Press News

Ao deslocarmos a escala dos mapas para os condados a narrativa se altera radicalmente. Assim como nas eleições passadas, vencidas por Trump, o que os mapas no nível dos condados revelam é uma geografia eleitoral muito mais complexa, com a existência de verdadeiros “arquipélagos urbanos”. A divisão no seio do eleitorado nos Estados Unidos se reflete no processo de urbanização do país: os votos republicanos/conservadores estão concentrados nas zonas rurais, enquanto os votos democratas/liberais se fazem presentes nas grandes cidades. Já os subúrbios abastados, tradicionalmente republicanos, são objeto de disputa acirrada. Muitos analistas estadunidenses compreendem esta divisão como o cosmopolitismo urbano (democrata) versus o conservadorismo rural e suburbano predominantemente branco (republicano).

“Desafio aceito! Aqui está uma transição entre a área de superfície dos condados dos EUA e sua população associada. Isso sem dúvida fornece uma leitura muito mais precisa da situação.”

“Como muitos de vocês notaram, o mapa que usei não está usando os resultados de votação adequados da eleição presidencial dos EUA de 2016. O equívoco veio do mapa postado por Lara Trump, que mostra mais vermelho do que deveria. Aqui está uma versão atualizada do GIF.”

O mapa das eleições nos EUA de 2016 é a expressão de um modelo territorial que concentrou diversidades étnicas e raciais, mesmo que segregadas, durante décadas. Já os subúrbios abastados no entorno das grandes cidades, onde brancos se isolavam e os votos se destinavam majoritariamente ao Partido Republicano, começaram a mudar nos últimos 15 anos: uma mescla de política de crédito habitacional e movimento de novas gerações de imigrantes foi tornando estes subúrbios mais diversos racial e etnicamente. O fenômeno foi inclusive bastante mobilizado por Trump em suas campanhas, com um discurso em defesa das “donas de casa suburbanas” imagem clássica dos anos 1950/60, ignorando que estas foram se tornando cada vez mais raras com o passar dos anos, e os bairros de famílias brancas e cerquinhas baixas cada vez mais minoritários.

Fonte: Associated Press News

Apesar de ainda não existir resultado final destas eleições entre Donald Trump e Joe Biden, a leitura do território eleitoral como grandes cidades democratas, zonas rurais escassamente povoadas republicanas, e subúrbios em disputa parece corresponder cada vez mais à imagem da real divisão sociopolítica territorial dos Estados Unidos.

* Aluízio Marino é mestre e doutorando em Planejamento e Gestão do Território pela Universidade Federal do ABC. Especialista em Gestão de Projetos Culturais pelo Centro de Estudos Latino Americanos sobre Cultura e Comunicação (CELACC). Bacharel em Gestão de Políticas Públicas pela Universidade de São Paulo (USP). Pesquisador do LabCidade, coordena a produção cartográfica do Laboratório. Também desenvolve ações de mapeamento coletivo com diversos movimentos sociais e coletivos autônomos.

]]>
0
Comparando as propostas ambientais dos candidatos à Prefeitura de SP http://raquelrolnik.blogosfera.uol.com.br/2020/10/29/comparando-as-propostas-ambientais-dos-candidatos-a-prefeitura-de-sp/ http://raquelrolnik.blogosfera.uol.com.br/2020/10/29/comparando-as-propostas-ambientais-dos-candidatos-a-prefeitura-de-sp/#respond Thu, 29 Oct 2020 15:44:46 +0000 http://raquelrolnik.blogosfera.uol.com.br/?p=1179

Foto: Verde SP

Continuando a série de artigos sobre os programas de governo dos candidatos à prefeitura da cidade de São Paulo no próximo pleito (veja também os temas habitação e mobilidade), chegou a hora de falar sobre meio ambiente.

Começando a conversa, São Paulo produz 20 mil toneladas de lixo todo dia, de acordo com levantamento de 2019. Assim, não é de se espantar o consenso entre os programas de diversos candidatos em relação à necessidade de se aumentar a reciclagem do lixo, mas esta convergência acaba quando analisamos de que forma as candidaturas pretendem abordar o tema.

Para Celso Russomanno (Republicanos), e também, para o atual Prefeito e candidato Bruno Covas (PSDB), estas ações deveriam se traduzir em investimentos mais pesados na chamada economia circular. O programa de Russomanno defende que, a fim de alcançá-la, é necessário “integrar a cidade de São Paulo à essa economia circular como um todo, integrando acordos setoriais, política tributária, concessões de saneamento, área social e geração de energia”. A ideia da economia circular também aparece no programa de Márcio França (PSB), inclusive com a instituição de uma moeda verde para os programas de reciclagem e banco de alimentos.

Guilherme Boulos (PSOL) e Jilmar Tatto (PT) propõem que o aumento da reciclagem e o desafogamento dos nossos aterros sanitários deve se dar com a ampliação da coleta seletiva — atingindo também as periferias —, e com a melhoria da capacidade das centrais de triagem e sua integração, sendo o fortalecimento das cooperativas de catadores ponto vital. Boulos e Tatto também defendem a revisão dos contratos com as concessionárias de serviço de lixo. Neste tema, o candidato do PSOL propõe ainda um aprimoramento e continuidade do programa de compostagem de resíduos orgânicos, a fim de diminuir o uso de aterros e gerar adubo sem veneno para as hortas, parques e praças da cidade.

Sobre as hortas, é importante dizer que no programa de Boulos há um forte apoio à agroecologia, às hortas urbanas e ao alimento saudável, sem veneno, inclusive na merenda escolar, o que também vai aparecer nos programas de Márcio França e Jilmar Tatto, candidato que pretende fomentar a agricultura urbana e periurbana na produção de alimentos agroecológicos e orgânicos, distribuindo-os para a população em condição de insegurança alimentar. Estas propostas não surgiram do nada: os paulistanos têm uma relevante produção agroecológica e urbana, que você pode conhecer acessando o portal Sampa+Rural. A pauta da agricultura sustentável é fundamental se pensarmos que, além da importância da alimentação saudável no município, sabe-se que um terço do território da cidade de São Paulo é rural, com florestas nativas, reservas indígenas e mananciais de água.

Além do tema do lixo e da agricultura, outra questão ambiental de muito impacto para os paulistanos é a água. A pandemia foi marcada por recomendações de diversas instituições políticas e especialistas sanitários de se lavar as mãos e fazer higienização constante do próprio corpo, das roupas, dos utensílios, etc. Nisso, moradores da Favela 1010 (e de tantos outros lugares) não tinham acesso à água para seguir os protocolos de saúde. É no programa de Boulos que aparece mais claramente a ideia de se exigir da Sabesp, concessionária dos serviços de água e esgoto da cidade cuja titularidade é do município, que colete e trate todo o esgoto e ofereça água de qualidade e com regularidade para toda a cidade, principalmente para as periferias. Joice Hasselmann (PSL) defende investimentos privados em saneamento em entendimentos com a SABESP.

E os parques? No plano de Covas, vemos a promessa de implantação de novos, como o Parque Augusta e Parque Paraisópolis. No programa de candidatura do atual prefeito, há claramente a sinalização da continuidade do programa de concessão e privatização dos parques. Isso também aparece nas propostas de Hasselmann, candidata adepta da ideia de que o aumento das áreas verdes e a melhoria do saneamento se darão por meio de mais parcerias e investimentos privados.

Tatto e Boulos não compartilham dessa lógica. A tônica dos planos destes candidatos não é de privatização de parques, mas sim de uma gestão destes espaços compartilhada com a população. Tatto, além do Parque Augusta, inclui o Parque do Bexiga em seu programa.

Por fim, em termos mais gerais, para Russomanno, as formas de controle ambiental devem ser revistas no sentido de propiciar mais agilidade nas aprovações de projetos. Arthur do Val (PATRIOTA) vai mais longe na liberalização ao afirmar que as mazelas ambientais, como espraiamento urbano, poluição atmosférica decorrente do trânsito, e comprometimento das represas, serão resolvidas quando os controles urbanísticos e ambientais que hoje regulam as construções na cidade forem liberados, permitindo assim a construção de enormes arranha-céus — que, em sua visão, concentrariam as populações no centro da cidade, diminuindo deslocamentos.

]]>
0